O DIA EM QUE ELA DISSE "OI"




As taças estavam erguidas em comemoração e as palavras afiadas do primo Joca cortavam o silêncio que existia entre uma risada ou outra.


- Não faz assim com ela, você vai machucar a menina - dizia tia Cida, mãe de primeira viagem, tipicamente desesperada. 


- Cida, fica calma... amor, eu também sou pai dela e sei o que estou fazendo.

- Bruninho, não brinca com a mamadeira, você não tem mais idade pra essas coisas... - completa tia Cida.

Mariana, recém nascida, era o motivo de tanta felicidade. Ela era especial, não apenas porque  a tia Cida e o tio Carlinhos estavam tentando "engravidar' há anos, havia algo de especial naqueles olhos claros e espertos.

Não demorou muito para que Mariana conhecesse todos os médicos da cidade, afinal, aos três anos de vida já se imaginava que a pobre garota estivesse, ao menos, falando algumas poucas palavras.

- Eai doutor? Alguma novidade?

- Sinto muito Carlinhos, nada... não há nada de errado com a menina. Acho que ela gosta do silêncio.

- Mas não é possível doutor, nada? Alguma coisa está errada, o Pedrinho, filho da minha irmã já falava tudo com 3 anos...

- Pois é, mas não há nada de errado, e não adianta a gente ficar examinando, vamos acabar irritando a menina e não vamos achar nada...

Mariana, com o tempo, aprendeu a escrever, mas nunca falou, era como se o silêncio fosse seu esconderijo do mundo. Tentaram de tudo, até os chás de casca de maracujá com pimenta da vó Gilda, mas nada parecia fazer a menina quebrar o silêncio.

Os rapazes da escola, todos em seus melhores ternos esperavam uma oportunidade de dançar com a debutante mais linda e misteriosa da cidade. Para eles o silêncio era um mistério atraente.

Mariana dançava com seu pai a última valsa da noite e sorria. Sorria um sorriso sem fim, como quem sorri sem motivo algum. Até que, assim, quase que do nada a última luz se acende e ilumina  um rapaz encostado em uma coluna como quem cansou de carregar o peso do próprio corpo. Também sorrindo, um sorriso ainda mais simples do que o da debutante.

A música parou e Carlinhos começava a se distanciar da filha, quando, assim do nada, sem motivo aparente o silêncio é quebrado... Ela disse "oi"... e com um ato tão banal o mundo parecia mudar por inteiro e todos os corações que se importavam, que a amavam, que pareciam conformados com o silêncio da vida, todos eles pararam de bater por alguns segundos. Não se sabe até hoje o que houve, alguns dizem, pelas praças da cidade, que a menina não falava por falta de amor, outros gostavam de imaginar tudo isso como uma versão interiorana de "A bela adormecida", mas no fim das contas o que ficou mesmo para a história não foi o silêncio e sim a história do dia em que ela disse "oi".


Dizemos oi todos os dias de nossas vidas, para pessoas que nem conhecemos, como a coisa mais banal do mundo, porém, quando falamos de storytelling tudo é contexto e até um simples "oi" pode ser a mudança que você precisa na vida do seu personagem para que tudo mude e jornada se inicie.

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