Publicitários e histórias – visão comercial

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Alguém, algum dia, ditou que “conteúdo é uma coisa e comercial é outra” e aí todos copiaram em seus caderninhos, mentes e corações. Talvez os veículos de comunicação tenham achado que esse formato fosse mais prático, ou então foram os publicitários que preferiram criar anúncios sem a obrigação de conectá-los ao conteúdo.


Seja como for, a conseqüência é que o que o publicitário faz costuma ser uma interrupção para o que a pessoa está fazendo. Não é à-toa que se chama de intervalo comercial.


Por isso, os publicitários precisam ser objetivos, cada segundo conta, e muito. Normalmente o que eles têm para trabalhar são 30 segundos ou uma página de revista.


Então, se o interesse é baixo, o tempo é curto e o espaço é pouco, tudo o que eles precisam é da famosa “Big Idea”, daquela grande sacada que vai ganhar um pouco da atenção da pessoa em favor de uma marca ou produto. Eles vão fazer qualquer coisa, nos lugares mais inusitados, dizendo e mostrando o que for preciso para chamar a sua atenção.


O que, de certa forma, só reforça a interrupção.

Essa cultura da “big idea” acaba criando “histórias de fachada”, ou seja, sem profundidade, nem riqueza de detalhes. Criar universos ficcionais como os escritores? Nem pensar! Por que gastar tanto tempo para construir a cada aspecto da vida de um monte de personagens que só vão aparecer sorrindo numa mesa de café da manhã?


Essa superficialidade, somada à ótica das empresas torna a publicidade um campo fértil para a inverossimilhança... Em outras palavras: fica tudo fake.


Bom, mas isso não quer dizer que não funcione – ou as empresas já teriam parado de anunciar há muito tempo; mas só porque dá algum resultado não quer dizer que esteja tudo certo, ou não haveria o TiVo nem toda a crise estabelecida no setor.

No passado pode ser que as pessoas gostassem de ver anúncios e é a nova geração que está mais resistente... Ou talvez tenha sido a própria publicidade que mudou de perfil. Aliás, onde estão os comerciais que contavam histórias e tornavam o produto um verdadeiro protagonista?

Cadê os novos personagens que irão durar mais 30 anos nas mentes de todos nós?

Pois é. O fato é que antes a missão era falar com as pessoas. Agora a mania é falar com "targets", ou seja, grupos de pessoas de acordo com um determinado perfil demográfico. A mensagem é feita para elas, e para elas somente. O objetivo é impactar o maior número de pessoas possível dentro do "target" e, pra isso, dispara-se a mensagem num veículo de massa.


Sem se preocupar muito com aqueles que não deveriam ser impactados.


Então, pra quem está fora do target, a interrupção é ainda maior (e algumas vezes, pior). Só que a modernidade oferece opções: está havendo uma grande migração de audiência para a Internet, até porque lá as pessoas conseguem driblar os anúncios com maior facilidade.


Ao contrário do escritor, o publicitário tem um espírito tão comercial que não é exagero dizer que o dinheiro é sua religião.


Mas a publicidade não é o diabo que se pinta por aí.


Afinal, a atividade tem um papel fundamental num sistema capitalista: catalisar trocas. A publicidade é responsável pelo principal elo de ligação entre as corporações e seus consumidores e tem a missão de encontrar formas criativas de vender produtos e serviços. Então, a crise que paira sobre a publicidade reverbera em outras áreas.


Talvez o problema só esteja na forma como a publicidade é feita. Pode ser que a raiz de todo o mal seja o conceito de “intervalo”, de ter que separar o que é conteúdo do que é comercial, como se as duas coisas não pudessem andar de mãos juntas, casar e ter filhos.

Obs: a versão original do texto foi alterado devido às preciosas colaborações da Czarina das Quinquilharias e da Leka.

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  1. Belo Post.

    Post não, palestra!

    Sintetizou a história da propaganda e milhares de pensamentos que isolados que tive ao longo da minha trajetória.

    Parabéns.

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  2. Essa foi uma observação muito válida. Estudo publicidade e vejo em sala muito do que se diz de "é assim no mercado", e é bom ver essa realidade de outra forma, encarando os problemas e, principalmente, as tendências de mudanças. Você tem um senso crítico muito bacana - considerando esse post. Muito bom.

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