Promessa é dívida e substantivo comum

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Sou uma mulher de palavra. Então de presente nessa sexta-feira que é gelada mas não é 13, deixo vocês com mais um texto de Emília no País da Gramática, do Lobato, de quem tanto falamos aqui e aqui. É definitivamente uma deliciosa aula de português pra Pasquale nenhum botar defeito e um case Storyteller com todas as letras.

Pra recapitular: a turma do Sítio, guiada pelo doce rinoceronte Quindim, segue viagem aprendendo tudo sobre nossa língua. No capítulo, ou melhor, no bairro dos Substantivos, percebem a diferença entre os Nomes Próprios, que andam todo prosa, de mão no bolso, e os Nomes Comuns, que formam a plebe, o povo, o operariado. Os menos usados são mais gorduchos, ao contrário dos que são muito requisitados e andam pra lá e pra cá a queimar calorias. Um desses é o nome José, que bateu um papo com a turminha.


- Venha cá, senhor nome José! – chamou Emília.
O nome JOSÉ aproximou-se, arquejante, a limpar o suor da testa.
- Cansadinho, hein?
- Nem fale, menina! – disse ele. A todo momento nascem crianças que os pais querem que eu batize, de modo que vivo numa perpétua correria de igreja em igreja, a grudar-me em criancinhas que ficam josèzando até à morte. Eu e MARIA somos dois Nomes que não sabem o que quer dizer sossego...
Nem bem havia dito isso e – trrrlin!... soou a campainha de um rádio-telefone; a telefonista atendeu e depois berrou para a rua:
- O Nome JOSÉ está sendo chamado para batizar um menino em Curitiba, capital do Paraná. Depressa!
E o pobre nome JOSÉ lá se foi ventando para Curitiba, a fim de josèzar mais aquele Zezinho.
- Não vale a pena ser muito querido nesta cidade – observou Emília. Eu, se fosse palavra, queria ser a mais antipática de todas – para que ninguém me incomodasse, como incomodam a este pobre José.
- Disso estou eu livre! – murmurou uma palavra gorda, que estava sentada à soleira duma porta. Era o Nome URRACA.
- Sim – continuou ela. Como os homens me acham feia, não me incomodam com chamados assim quando têm filhas a batizar. Antigamente não era assim. Muitas meninas batizei em Portugal, e até princesas. Mas hoje, nada. Deixaram-me em paz duma vez. Desconfio que não existe no Brasil inteiro uma só menina com o meu nome.
- Por isso está gorda assim, sua vagabunda! – observou Emília.
- Que culpa tenho eu de ser feia, ou de os homens me acharem feia? Cada qual como Deus o fez.
- Nesse caso, se é inútil, se não tem o que fazer, se está sem emprego, a senhora não passa dum arcaísmo cujo lugar não é aqui e sim nos subúrbios. Está tomando o espaço de outras.
- Não seja tão sabida, bonequinha! Eu há muito que moro nos subúrbios, e se vim passear hoje aqui foi apenas para matar saudades. Esta casa não é minha.
- De quem é então?
- Duma diaba que veio de Galópolis e anda mais chamada que uma telefonista – uma tal ODETE. Volta e meia sai daqui correndo, a batizar meninas. Mas minha vingança é que está ficando magra que nem bacalhau de porta de venda, de tanto corre-corre.

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