Um mundo sem Heróis: Como aprendemos a amar os Monstros


A estreia do tão esperado Esquadrão Suicida trouxe à tona um tema que vem marcando o entretenimento moderno há muito tempo e já deve ter sido percebido por muita gente, seja quem é mais antenado nesse mundo ou só mais um ser humano em busca da próxima série que vai devorar em maratonas.

Quem nunca teve raiva do mocinho que toma sempre a atitude certa apesar das consequências ou aquele que se nega a dar o golpe final em seu inimigo, apenas para ser traído por ele mais para frente na história. Tornou-se muito mais comum flagrar-se torcendo para personagens mais ambíguas ou que apenas não estão nem ai para o mundo ou o que os outros pensam. Utilizando de técnicas narrativas e cinematográficas na construção de personagens e do enredo, os filmes, séries e quadrinhos de hoje nos fazem sentir empatia e amor por algumas das criaturas mais repugnantes e detestáveis da história da ficção. Porém, tais sentimentos não poderiam aflorar de tal forma no público apenas através de métodos aplicados durante o processo do contar das histórias. Eles são reflexo de um mundo muito menos maniqueísta e divido entre noções rasas de “bem e mal” ou “mocinho e vilão”, desde pontos chave da história moderna como a derrota americana na Guerra do Vietnã e a despolarização do mundo após o fim da Guerra Fria. 

Os meios de comunicação evoluíram de tal forma que é possível se criar personagens muito mais multifacetadas que deixam de ser alegorias planas para se tornarem pessoas quase reais, que quando apresentadas a oportunidade de reparar um erro o fazem, mesmo que através de outros ou de sacrifício moral.  Uma personagem que mente, que sofre, que ama, que se engana ou que se questiona é muito mais verossímil do que um defensor da honra e da moral a todo o custo, que sempre salva o dia apesar dos obstáculos. E hoje em dia, essa primeira personagem pode ser representada mais fielmente nas telonas e telinhas.

As características desse novo tipo de herói, mais falhado e mais humano do que o herói clássico de antigamente, refletem os traços e atributos que a população enxerga em si e que procura em seus meios de representação. 



A essa altura, todos sabem que exemplos não faltam na hora de demonstrar como os mocinhos das histórias de hoje em dia não condizem mais com as noções passadas do herói clássico. O irreverente e nada nobre pirata Jack Sparrow é a estrela da franquia Piratas do Caribe e não Will Turner, o bom rapaz da trama. Em Game of Thrones, personagens que costumam seguir sua moral e as regras não costumam sobreviver tanto tempo na série quanto personagens cruéis ou que se deixaram corromper pelo meio em um determinismo que chega a lembrar a estética realista do século passado. Desde o grande estouro da Família Soprano, séries como Breaking Bad, House of Cards e Dexter nos colocam na posição de torcermos pelo sucesso de assassinos e criminosos que, mesmo que tenham tido motivos nobres no início, se perderam em suas próprias falhas ou orgulho. E o que é mais humano do que isso, não é?

No filme Esquadrão Suicida, um grupo dos mais detestáveis e perigosos criminosos se une para “bancar uma de herói”. O filme tem uma apresentação de personagens atrapalhada e que segue em tropeços até as últimas cenas, culminando em um roteiro que acaba por não fugir muito da fórmula já conhecida por todos. Porém a grande hype criada em torno do filme vem justamente desse novo olhar do mercado e dos espectadores que começam a repudiar cada vez mais o herói incorruptível em armadura dourada, tão distante de nós. 



Os vilões e anti-heróis da atualidade vivem uma vida livre e questionadora muito mais próxima da que sonhamos (mesmo que só no mundo das ideias) e a cada ato odioso cometido nos tornam seus cúmplices e nos fazem sentir bem com nossas próprias mentiras e defeitos. Representar o bem e o mal que coexiste dentro de todos nós não é mais uma mensagem a ser aprendida no final da história, mas sim uma regra a ser seguida para poder conversar, de igual para igual, com um público que sabe que não possui apenas qualidades heróicas dentro de si e que procura se ver representado nos grandes veículos de comunicação. Mesmo que isso tenha que acontecer através de adoráveis, adoráveis monstros.

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