Revezamento de Histórias

https://www.storytellers.com.br/2016/09/historia-em-chamas-storytelling-no.html
Essa é mais uma história sobre contar histórias. É uma história
sobre um Brasil dividido. É uma história que tem origem lá na Grécia Antiga.
Essa é a história de quando eu participei do Revezamento de Tocha Olímpica dos
Jogos Rio2016.
Não sei ao certo sobre como acabei no Revezamento. Lembro
que era uma noite de 5ª feira quando eu trabalhava no meu computador no Comitê
Organizador dos Jogos e uma diretora me perguntou:
- Stefano, você
estará ocupado no final de semana?
Sim, eu estaria. Tinha um encontro, um casamento, muita
bebida para consumir e esperava fazer sexo pelo menos algumas vezes. Mas
infelizmente não podia responder isso...
- Nada muito importante, chefe. Por quê?!
- Vamos realizar um evento-teste de Revezamento de Tocha.
Você pode ir?
Me senti como um ator de peças infantis ou filmes para
adultos que recebe a oportunidade de fazer uma audição para o papel principal
de uma novela da Globo. Minha resposta obviamente foi sim. E eu dei tudo de mim
naquele final de semana.
Resultado: um mês depois ganhei um malão bege e um uniforme
verde e estava pronto para cair na estrada.
Após um bate-volta de uma ação de comunicação na Suíça
para buscar a Chama Olímpica, cheguei em Brasília no dia 03/05/2016. Fiz
questão de escrever a data exata aqui por um único motivo: porque no dia
17/04/2016 a Câmara aprovou o processo de impeachment de Dilma que seria
afastada da presidência no dia 12/05/2016 pelo Senado. Ou seja, a Chama
Olímpica estava chegando no olho do furacão... e eu estava junto.

Minha rota começou em BH e só terminaria em Teresina, para
depois continuar em Cuiabá e seguir até Porto Alegre. Em média eu trabalharia
doze horas por dia e não teria folga. Sofrido?! Um pouco, mas eu estaria
viajando pelo Brasil em um momento histórico. Aquele era o emprego dos sonhos
para mim. Motivação era o que não me faltava. Mas eu tinha um problema. Meus
superiores queriam que eu fizesse um trabalho jornalístico e eu fui para a
estrada com cabeça de publicitário.
Nessa vida já tive uma enorme variedade de profissões. Já
fui lenhador no Canadá, jardineiro, barman, garçom, militar, representante de
vendas, publicitário, promoter de balada, gogo-boy, RP, ajudante
de marinheiro, entre outras... Mas nunca jornalista. E, além de eu nunca ter
feito uma entrevista na vida, tinha uma grande oposição a esse tipo de
cobertura durante o Revezamento de Tocha Olímpica. Pensava que deveríamos visar
uma cobertura de entretenimento e engajamento pelas nossas mídias sociais,
enquanto o material jornalístico seria produzido pelos grandes canais
consolidados no mercado de informação que estariam presentes durante o percurso.
Mesmo assim, manda quem pode e obedece quem tem juízo, ou seja, eu tinha que
fazer o que me mandavam se quisesse manter meu “emprego dos sonhos”.
Conforme começaram a surgir críticas à minha entrega, tive
que bolar uma alternativa rápida. Minha solução foi ousada. Eu não tinha como
virar jornalista da noite para o dia e nem queria isso. Então resolvi fazer
tudo do meu jeito. Eu seria um storyteller itinerante.

- Eu quero que você me conte sua história.
Assim sendo, rodando o Brasil, escutei as mais diversas
histórias. Escutava tudo até o final, às vezes de olhos fechados, para
conseguir visualizar a história que tinha que passar adiante. Conforme as palavras
saíam da boca de quem as estivesse contando, eu enxergava personagens,
cenários, plots e enredos que mandaria para a base no Rio de Janeiro, e a base subiria
o material para nosso site ou mandaria como nota para a imprensa.
Meu plano deu certo! As críticas sumiram e os elogios
começaram a aparecer cada vez mais. Apesar de a minha estratégia ter sido
ousada, não foi completamente estúpida. Eu tinha um material muito rico a ser
explorado e acreditava no que estava fazendo. Acho que “acreditar” foi a parte
mais importante de tudo, do começo ao fim.
O Brasil é um país dividido. Não dá para falar que o Brasil
é o mesmo no Nordeste e no Sul. Ou no Norte e no Sudeste. A natureza e a
cultura são completamente diferentes de região para região. As danças, os
ritmos, as comidas, as bebidas, as roupas, as tradições... é tudo muito diferente.
Menos o povo. O povo é o mesmo, com algumas variações. É como a língua portuguesa,
que mesmo falada com diferentes sotaques em diferentes estados, continua sendo
língua portuguesa. E o povo do Brasil não poderia ser outro além do brasileiro.

Em BH conheci e conversei com a modelo Paola Antonini, que
teve a perna amputada após um acidente, mas nunca perdeu a beleza, a graça e o
sorriso. Em Vila Velha (ES) levei a Chama Olímpica até o senhor João José
Bracony, que representou o Brasil na modalidade de vela nos Jogos Olímpicos de
Londres em 1948 e vi seus vizinhos aplaudindo pela janela enquanto ele conduzia
a Tocha pelo piso térreo de seu prédio. Seu João faleceu aos 97 anos, quase
dois meses depois daquele dia. Lembro bem da expressão em seu rosto quando
olhou para Chama e disse: “Achei que nunca mais fosse vê-la”.
Ainda no ES, mas agora em Vitória, tive o prazer de falar
com dois futuros medalhistas de ouro dos Jogos Olímpicos, a dupla de vôlei de
praia Alison Ceruti e Bruno Schmidt, e de ir para a celebração da cidade com a
Miss Brasil 2010, Débora Lyra, que calou minha boca e me deixou babando ao
mesmo tempo. Quando Débora surgiu na minha pauta para um take-over, eu
imaginava que ela seria apenas uma modelo fútil e fresca, e quase gonguei a
ação. Depois que a conheci pessoalmente, vi que por trás de toda aquela beleza e pose existia uma menina dedicada, esforçada, humilde e incrivelmente gente boa.
Quase me apaixonei... e usei aquilo como lição para lembrar a nunca julgar
ninguém pelas aparências.
Em Riachão do Jacuípe, na Bahia, conheci e escutei a
história do cantor e compositor Del Feliz. Del foi um dos cordelistas mais
jovens da Bahia, começando suas estofes e versos aos 11 de idade. De origem
humilde, também foi catador de lixo, faxineiro, camelô, pintor, entre outras
coisas, até o sucesso musical finalmente chegar com prêmios e sua participação
no The Voice Brasil.
Foi ainda na Bahia que escutei a história que mais me
emocionou na minha trajetória. Na cidade de Jaguarari, no interior do estado,
conheci Antonio Bonfim, o “Ferreirinha”, criador de um projeto social de
atletismo que serve de inspiração para as crianças e os moradores da cidade.
Ferreirinha era o primeiro condutor da cidade, enquanto Lucas Jesus, o “Chiquinho”,
seria o último. Chiquinho era morador de rua, foi resgatado por Ferreirinha e
hoje é maratonista. Eu perguntei qual era o significado da Tocha Olímpica para
eles. Em meio a um choro emocionado, carregado de felicidade, Ferreirinha
respondeu: “Um menino de rua tem sua vida transformada pelo esporte e hoje
conduz o maior símbolo esportivo mundial. Esse é o significado.”

Continuei meu caminho em Cuiabá, onde conheci o judoca David
Moura e o homem que o inspirou, seu pai. Foi lá perto que conheci também o
cerrado e a Chapada dos Guimarães, e entendi o significado do fogo para a
região pela boca da minha guia, Manu. Em Maracaju (MS)conheci outro David, dessa vez Cardoso, o rei da
pornochanchada, que me contou sobre ter comido a Vera Fischer e a Dercy Gonçalvez,
numa narrativa metafórica sobre como a vida dá voltas. Continuando minha
descida, conversei com Walcyr Carrasco em Presidente Prudente (SP) e entendi o
motivo por ele escrever tão bem suas novelas: ele é o que escreve, simples assim. Em Londrina (PR) conheci o Galvão
Bueno e entendi o motivo de tanta gente achar ele um babaca. E em São Lourenço
do Sul (RS) conheci Fernando Aguzzoli, que me contou sobre quando tinha 21 anos de idade e largou seus estudos para
cuidar da avó com Alzheimer. Fernando escreveu um livro sobre o tema que terminou pouco depois que a avó faleceu e hoje dá palestras
para auxiliar os outros no convívio com a doença.
Como escrevi anteriormente, tive um material bruto muito
rico a ser trabalhado. Esses foram apenas alguns poucos exemplos de histórias
que ouvi e contei pelo meu caminho. Exemplos que acredito que ilustrarão muito bem minhas palavras e que me marcaram. Eu realmente acreditei no que
estava fazendo, assim como acredito no brasileiro e acredito em histórias.
Talvez por isso que eu tenha sido muito bem sucedido e ao final da minha história,
como prescreve a ideologia aristotélica de storytelling, fui merecedor
de um final feliz: virei um de meus personagens e conduzi a Tocha
Olímpica.