LA CASA DE PAPEL - UM HEIST COM AR DE NOVELA
https://www.storytellers.com.br/2018/01/la-casa-de-papel-um-heist-com-ar-de.html
Um dia desses vi um Stories do Instagram mostrando uma cena de um grupo armado usando macacões vermelhos e máscaras de Dali. Não entendi direito do que se tratava, nem mesmo pela legenda escrita "La Casa de Papel" somada a um emoji de coração. Algum tempo depois, fuçando meu feed de notícias do Facebook, vi uma resenha que um amigo fez sobre uma série espanhola disponível no Netflix. Não li a resenha, mas, batendo o olho na imagem de divulgação da postagem, percebi que se tratava do mesmo assunto que o Stories descrito anteriormente. Pouco tempo depois, quando menos percebi, minhas redes sociais foram tomadas de assalto por criminosos que planejaram um rouba à Casa da Moeda da Espanha. Eles primeiro sequestraram minha curiosidade para logo em seguida começarem as negociações pela minha atenção.
Foi em uma tarde de domingo chuvosa, daquelas sem nada melhor para fazer, que resolvi me render e descobrir do que se tratava aquele hype todo. Não sei bem explicar o motivo, mas ultimamente a maioria das séries perdem a disputa dos meus pensamentos para meu Tinder, Whatsapp ou Instagram. Por isso, comecei a ver La Casa de Papel com o celular na mão, revezando a mira dos meus olhos distraidamente como o segurança de um banco em mais um dia de trabalho. O monólogo inicial da série me fez pensar que em instantes eu estaria desligando o computador e combinando de encontrar alguém em algum lugar. Mas fui enganado. Aquele monólogo foi uma breve distração para que eu baixasse minha guarda. Depois dele, a série ganhou velocidade, dinamismo e emoção que me renderam e me distanciaram do meu celular, sem pedido ou intenção de resgate.
La Casa de Papel é uma minissérie espanhola criada pelo produtor Álex Pina. A trama gira em torno de um grupo de ladrões, hackers, especialistas em armas e falsificadores que são reunidos por um homem misterioso, conhecido como Professor, na missão de invadir o prédio da Casa da Moeda espanhola e roubar a maior quantia da história direto da fonte. Para garantir o êxito na tarefa, os criminosos seguem um plano meticuloso envolvendo reféns e interceptações nas comunicações da polícia que geram inúmeros plot twists dignos de fazerem a audiência torcer para os "vilões".
É inegável a similaridade da série com a trama do filme americano O Plano Perfeito (2006). Na verdade, tenho a ousadia de dizer que tenho a mais absoluta certeza de que Álex Pina se baseou no filme para elaborar o meticuloso plano do Professor. Entretanto, La Casa de Papel toma um rumo de heist mais latino, temperando sua história com elementos amorosos, pessoais e dramáticos que jamais passariam pela cabeça de um produtor americano. Esses mesmos elementos muitas vezes beiram ao absurdo, mas têm o poder de conquistar a audiência por algo extremamente valioso em Storytelling: empatia.
ALERTA SPOILERS
Então, vamos lá. Temos um plano de roubo genial e um conflito envolvente entre polícia e ladrões. Até ai, beleza, legal, mas nada de novo (especialmente pela similaridade com O Plano Perfeito). Então a história ganha tempero latino. O enredo é enriquecido com toques de pimenta, sal, açúcar, canela e limão e envolve a audiência de forma empática. Um casal de ladrões começa uma relação amorosa praticamente impossível, com uma problemática de idade que eu, particularmente, não pude deixar de me relacionar (o homem da relação é muito mais jovem do que a mulher, coisa que já vivi algumas vezes). Uma refém está grávida de seu chefe, que também é mantido como refém e é casado, e acaba conquistando o coração de um dos seus sequestradores. Outra refém, peça fundamental do plano, sofre bullying dos colegas de colégio também sequestrados com ela. A inspetora responsável pela operação acaba de se divorciar do marido por sofrer maus-tratos e acaba se envolvendo com o Professor, sem saber sua verdadeira identidade, durante os intervalos do expediente. São inúmeros os exemplos que ganham o público pelo coração, apesar de beirarem ao absurdo. E é isso o mais legal de La Casa de Papel. É um heist com traços de novela!
A série muitas vezes chega perto de passar o limite do tolerável nesses traços. Talvez até tenha passado em alguns momentos. Por exemplo, chega a ser quase ridículo pensar que uma inspetora de polícia cuidando de um caso com visibilidade e repercussão mundial tenha cabeça para ficar preocupada se o crush vai ligar ou dar bolo no date. Ou que uma ladra fique com ciúmes do namorado com uma refém durante o sequestro. Ou, em especial, o contraste absurdo entre o plano brilhante desenhado pelo Professor e as personalidades emotivas demais e quase nada profissionais que ele escolheu para o serviço, muito diferente do que se vê em filmes e seriados americanos, com criminosos frios e calculistas ao extremo. Entretanto, essas fraquezas na trama chegam até mesmo a se transformarem em força pela construção dos personagens. La Casa de Papel é narrada de um jeito que o público não apenas compra as histórias secundárias dentro da história principal, como ainda torce para elas darem certo. A inspetora deveria estar mais preocupada com o caso do que em arranjar um novo namorado? Dane-se, coitada, ela já passou por tanta coisa que merece um date legal no final do dia. A ladra fica com ciúmes no meio do sequestro? Que bom, quer dizer que ela ama o namorado, apesar do caso dos dois ter tudo para dar errado. Nenhum dos criminosos é realmente frio e calculista? Bom, eles são humanos como todo mundo!
Entre todas as lições de Storytelling que podemos extrair de La Casa de Papel, a maior delas, na minha opinião, é a seguinte: se sua audiência gostar dos seus personagens, ela vai comprar suas histórias. Sendo assim, estabelecendo elos emocionais e gerando empatia, até mesmo pontos fracos podem virar pontos fortes. E, com isso dito, quero fazer um paralelo com a série Black Sails.
Black Sails narra as aventuras do Capitão Flint e seus homens, personagens famosos pelo clássico da literatura escocesa "A Ilha do Tesouro", de Robert Louis Stevenson. Situada na segunda metade do século XVIII, a série mostra esses personagens 20 anos antes dos acontecimentos narrados no livro, lutando contra a marinha britânica pela sobrevivência do seu paraíso criminoso e estilo de vida. O problema de Black Sails é a dificuldade da audiência em se relacionar positivamente com algum dos personagens. A história é boa, a produção é excelente e o universo da trama é incrível. Mas o público se encontra cheio de personagens mentirosos, corruptos e covardes, que simplesmente não conquistam sua admiração. Dá para entender a diferença entre uma série e outra?
A Netflix lançou no Brasil 13 episódios de La Casa de Papel, reeditados de 9 episódios do formato original, com aproximadamente 50 minutos de duração. A “2ª temporada” (que na verdade é a segunda parte da 1ª temporada) terá 6 episódios, que serão lançados em 6 de Abril de 2018 pelo serviço de broadcast. Se você ainda não foi sequestrado pelo hype da série, fique atento. Quando você menos esperar, será mantido refém na frente do seu computador por espanhóis usando macacões vermelhões e armados com fortes emoções.
Foi em uma tarde de domingo chuvosa, daquelas sem nada melhor para fazer, que resolvi me render e descobrir do que se tratava aquele hype todo. Não sei bem explicar o motivo, mas ultimamente a maioria das séries perdem a disputa dos meus pensamentos para meu Tinder, Whatsapp ou Instagram. Por isso, comecei a ver La Casa de Papel com o celular na mão, revezando a mira dos meus olhos distraidamente como o segurança de um banco em mais um dia de trabalho. O monólogo inicial da série me fez pensar que em instantes eu estaria desligando o computador e combinando de encontrar alguém em algum lugar. Mas fui enganado. Aquele monólogo foi uma breve distração para que eu baixasse minha guarda. Depois dele, a série ganhou velocidade, dinamismo e emoção que me renderam e me distanciaram do meu celular, sem pedido ou intenção de resgate.
La Casa de Papel é uma minissérie espanhola criada pelo produtor Álex Pina. A trama gira em torno de um grupo de ladrões, hackers, especialistas em armas e falsificadores que são reunidos por um homem misterioso, conhecido como Professor, na missão de invadir o prédio da Casa da Moeda espanhola e roubar a maior quantia da história direto da fonte. Para garantir o êxito na tarefa, os criminosos seguem um plano meticuloso envolvendo reféns e interceptações nas comunicações da polícia que geram inúmeros plot twists dignos de fazerem a audiência torcer para os "vilões".
É inegável a similaridade da série com a trama do filme americano O Plano Perfeito (2006). Na verdade, tenho a ousadia de dizer que tenho a mais absoluta certeza de que Álex Pina se baseou no filme para elaborar o meticuloso plano do Professor. Entretanto, La Casa de Papel toma um rumo de heist mais latino, temperando sua história com elementos amorosos, pessoais e dramáticos que jamais passariam pela cabeça de um produtor americano. Esses mesmos elementos muitas vezes beiram ao absurdo, mas têm o poder de conquistar a audiência por algo extremamente valioso em Storytelling: empatia.
ALERTA SPOILERS
Então, vamos lá. Temos um plano de roubo genial e um conflito envolvente entre polícia e ladrões. Até ai, beleza, legal, mas nada de novo (especialmente pela similaridade com O Plano Perfeito). Então a história ganha tempero latino. O enredo é enriquecido com toques de pimenta, sal, açúcar, canela e limão e envolve a audiência de forma empática. Um casal de ladrões começa uma relação amorosa praticamente impossível, com uma problemática de idade que eu, particularmente, não pude deixar de me relacionar (o homem da relação é muito mais jovem do que a mulher, coisa que já vivi algumas vezes). Uma refém está grávida de seu chefe, que também é mantido como refém e é casado, e acaba conquistando o coração de um dos seus sequestradores. Outra refém, peça fundamental do plano, sofre bullying dos colegas de colégio também sequestrados com ela. A inspetora responsável pela operação acaba de se divorciar do marido por sofrer maus-tratos e acaba se envolvendo com o Professor, sem saber sua verdadeira identidade, durante os intervalos do expediente. São inúmeros os exemplos que ganham o público pelo coração, apesar de beirarem ao absurdo. E é isso o mais legal de La Casa de Papel. É um heist com traços de novela!
A série muitas vezes chega perto de passar o limite do tolerável nesses traços. Talvez até tenha passado em alguns momentos. Por exemplo, chega a ser quase ridículo pensar que uma inspetora de polícia cuidando de um caso com visibilidade e repercussão mundial tenha cabeça para ficar preocupada se o crush vai ligar ou dar bolo no date. Ou que uma ladra fique com ciúmes do namorado com uma refém durante o sequestro. Ou, em especial, o contraste absurdo entre o plano brilhante desenhado pelo Professor e as personalidades emotivas demais e quase nada profissionais que ele escolheu para o serviço, muito diferente do que se vê em filmes e seriados americanos, com criminosos frios e calculistas ao extremo. Entretanto, essas fraquezas na trama chegam até mesmo a se transformarem em força pela construção dos personagens. La Casa de Papel é narrada de um jeito que o público não apenas compra as histórias secundárias dentro da história principal, como ainda torce para elas darem certo. A inspetora deveria estar mais preocupada com o caso do que em arranjar um novo namorado? Dane-se, coitada, ela já passou por tanta coisa que merece um date legal no final do dia. A ladra fica com ciúmes no meio do sequestro? Que bom, quer dizer que ela ama o namorado, apesar do caso dos dois ter tudo para dar errado. Nenhum dos criminosos é realmente frio e calculista? Bom, eles são humanos como todo mundo!
Entre todas as lições de Storytelling que podemos extrair de La Casa de Papel, a maior delas, na minha opinião, é a seguinte: se sua audiência gostar dos seus personagens, ela vai comprar suas histórias. Sendo assim, estabelecendo elos emocionais e gerando empatia, até mesmo pontos fracos podem virar pontos fortes. E, com isso dito, quero fazer um paralelo com a série Black Sails.
Black Sails narra as aventuras do Capitão Flint e seus homens, personagens famosos pelo clássico da literatura escocesa "A Ilha do Tesouro", de Robert Louis Stevenson. Situada na segunda metade do século XVIII, a série mostra esses personagens 20 anos antes dos acontecimentos narrados no livro, lutando contra a marinha britânica pela sobrevivência do seu paraíso criminoso e estilo de vida. O problema de Black Sails é a dificuldade da audiência em se relacionar positivamente com algum dos personagens. A história é boa, a produção é excelente e o universo da trama é incrível. Mas o público se encontra cheio de personagens mentirosos, corruptos e covardes, que simplesmente não conquistam sua admiração. Dá para entender a diferença entre uma série e outra?
A Netflix lançou no Brasil 13 episódios de La Casa de Papel, reeditados de 9 episódios do formato original, com aproximadamente 50 minutos de duração. A “2ª temporada” (que na verdade é a segunda parte da 1ª temporada) terá 6 episódios, que serão lançados em 6 de Abril de 2018 pelo serviço de broadcast. Se você ainda não foi sequestrado pelo hype da série, fique atento. Quando você menos esperar, será mantido refém na frente do seu computador por espanhóis usando macacões vermelhões e armados com fortes emoções.