UM NOVO CAPÍTULO NAS LIVRARIAS


Verdade seja dita, as grandes livrarias tentaram. E tentaram muito desde o começo dos anos 2000. Mudaram de cara, ofereceram experiências, ampliaram suas ofertas e se tornaram templos de cultura ao invés de simples pontos de venda. Mas a realidade é que nada disso adiantou e o mercado editorial brasileiro encolheu 21% entre 2015 e 2018, fazendo muitos olhos se voltarem com atenção para os movimentos das grandes redes de livrarias. A Fnac chegou a divulgar em um balanço global que sairia do Brasil, mas no dia seguinte retificou o discurso e afirmou que procurava um parceiro para comprar parte da empresa. A Cultura, segundo o jornal Folha de S. Paulo, estaria estudando uma fusão com a Saraiva no ano passado e dando sinais de preocupação, como recontagem de estoque.


Segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a expansão experimentada pelo setor editorial entre 2006 e 2011, quando o faturamento chegou a 7 bilhões de reais, caiu nos anos seguintes, somando um prejuízo de cerca de 1.4 bilhão de reais ao final do ano passado. Esse prejuízo foi acompanhado pela redução do número de livrarias de 20% de 2013 para cá – o Brasil tem hoje cerca de três mil, segundo a Associação Nacional de Livrarias (ANL) – e dos atrasos nos pagamentos às editoras.

Entre diversos responsáveis pela crise no mercado livreiro podemos citar problemas econômicos, questões culturais que afetam o interesse pela leitura e um cenário de novas tecnologias, onde canais de compra e seu principal produto em si, o livro, tornam-se cada vez mais digitais. Mas, independentemente do responsável, uma coisa é óbvia: o mercado está passando por uma transformação. E com essa transformação surgem oportunidades para novos formatos. Ou melhor, formatos antigos.

Enquanto o mercado livreiro brasileiro entrava em crise, o americano recebia uma nova tendência. Em 2011 quando a Amazon levou a gigante megastore Borders à falência, livrarias independentes de bairro voltaram a surgir. Como uma queimada no cerrado, que leva embora árvores gigantescas produtoras de sombras que não deixavam florescer nada no lugar que ocupavam. Entre 2009 e 2015 a ABA (American Booksellers Association, não o grupo musical sueco dos anos 70) registrou um aumento de 35% no número de livrarias independentes, de 1651 para 2227.


De acordo com Ryan Raffaeli, pesquisador da unidade de Comportamento Organizacional da Universidade de Harvard, o ressurgimento das livrarias independentes no mercado americano se deu por três “C”s:

Comunidade – Sentimento dos shoppers e consumidores de apoiarem sua comunidade local.
Curadoria – Foco na seleção de itens nos respectivos inventários para oferecer uma experiência de compra mais pessoal e especializada.
Convocação – A promoção do negócio como espaço cultural que reúne pessoas com interesses intelectuais em comum a partir de eventos e experiências que ampliam a compra.

Do outro lado do mundo, na China, algo similar aconteceu. Em 2015, livros vendidos online registraram mais um recorde de crescimento, com um aumento de 33% de um ano para o outro, fechando diversas megastores e livrarias tradicionais pelo país. Os vendedores de livros sobreviventes acabaram aos poucos virando marcos culturais das cidades da China, como a Sanwei Bookstore em Pequim, a Zhongshuge em Xangai, a Librairie Avant-Garde em Nanquim, a Sisyphe Bookstore em Guizhou e a Xiaofeng Bookstore em Hangzhou.


Com as dificuldades das livrarias tradicionais chamando cada vez mais a atenção do grande público, o governo chinês lançou políticas e soluções para dar apoio aos vendedores de livros, na tentativa de garantir a sobrevivência de negócios restantes e gerar o nascimento de novos estabelecimentos. Desde 2013, o Ministério das Finanças e a Administração Estatal da Imprensa, Indústria Editorial, Rádio, Cinema e Televisão iniciaram projetos-piloto para apoiar as livrarias. Em 2014, começou o trabalho em 12 cidades, incluindo Pequim, Xangai, Nanquim e Hangzhou, com 56 lojas recebendo um total de 90 milhões de yuans em apoio financeiro. Em 2015, o trabalho piloto de apoio a livrarias em instalações de alvenaria expandiu-se para 16 cidades e províncias, resultando em um crescimento de 12,8% em relação ao ano anterior.

No Brasil, a tendência das livrarias independentes já chegou, mas ainda não é notável. A realidade é que megastores como a Livraria Cultura e a Livraria da Vila são pontos culturais consolidados em diferentes cidades do país e oferecem experiências de compra incríveis replicadas para diferentes unidades de suas cadeias de lojas. Esses gigantes do varejo ainda chamam mais atenção do que as livrarias de bairro, oferecendo espaços agradáveis atrelados a serviços diferenciados. Porém, o maior problema dos novos entrantes desse mercado tem um diferencial no Brasil que dificulta muito mais as coisas do que nos EUA e na China: não há um bom incentivo para empreender! Mesmo assim, alguns pequenos empresários encaram de frente as dificuldades e montam suas próprias livrarias movidos por paixão.


O diferencial da oferta de livrarias independentes muitas vezes não está no serviço prestado, mas nos produtos. O que se observa no cenário do mercado livreiro nacional é um panorama diferente do resto do mundo com a consolidação de megastores diferenciadas como centros culturais estabelecidos, enquanto livrarias independentes tornam-se ícones de cultura urbana, como a Comix Book Store, a Parada Literária da Consolação, a Freebook, a Livraria da Esquina, a Haikai, a Tapera Taperá, entre outras, oferecendo produtos de nicho para seus shoppers. E, por sua oferta nichada, esse modelo transforma livrarias em “joalherias”. Muitas das obras oferecidas em seus catálogos são consideradas artigos raros, oriundos de autores e editoras independentes, itens de colecionadores, importação ou produção de baixa tiragem. É dessa forma que esse novo modelo de negócio está sendo bem-sucedido, ao mesmo tempo que impulsiona editores independentes. Logo, a livraria independente brasileira não atrai seus shoppers apenas pela experiência de compra em um espaço diferenciado, mas por um tipo de oferta que as grandes redes não têm acesso ou, simplesmente, interesse.


A história dessa mudança nas livrarias ainda não acabou e tem muitas páginas pela frente. Não se sabe até onde a influência digital vai sacudir as coisas, ou se as grandes redes continuaram gravadas nos seus respectivos papéis. Mas, seja como for, uma coisa é certa: para quem quer ser editor, autor ou livreiro independente, o momento é de aproveitar a oportunidade de participar de um novo capítulo nesse mercado.


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