O que faz um planner de agência?

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Quem nunca ouviu alguém falar algo como "se tudo der errado, vou vender coco na praia“, ou melhor, quem nunca disse algo como "cansei dessa vida, quero abrir uma pousada na Bahia"? É quase que um arquétipo de "aposentadoria perfeita".

Essa é a história do Titus, que um dia cansou de ser acordado no meio da madrugada com as ligações do seu chefe e resolveu investir num sonho: vender água de coco na praia. Decidido, resgatou suas economias e foi para o litoral montar uma barraquinha. Chegou lá abafando, seguro de que tinha tomado a melhor decisão de sua vida.

Ao chegar na praia em que planejava se estabelecer, viu que não estava exatamente num mar de rosas... Já havia uma série de outras barracas, todas com fornecedores amarrados e clientela fiel.

O nosso amigo sonhador tem alguma chance de se dar bem se for adiante em perseguir seu sonho? Sim. Ele pode não ter sido primeiro, mas também não será o último a vender água de coco natural e geladinha. Para aumentar as suas chances de sucesso (ou pelo menos sustento), ele vai precisar resolver todos os problemas - de preferência dentro da lei (até ocorreu o insight de que ele poderia contratar um jagunço pra "limpar" a concorrência, mas o conceito de máfia está um pouco fora de moda. Outro insight foi de burlar impostos, mas logo concluiu que se até a Daslu foi pega...).

Eis um problema simples: como fazer a barraquinha se destacar das demais? Possibilidades existem como grãos de areia:
espalhar panfletos no pedágio ou anunciar na rádio e em outdoors;
oferecer outros produtos além do coco (milho verde, guloseimas etc.) ou até agregar serviços como mesinhas com ombrelones para clientes além de um tapetinho que leve até o mar;
ludicalizar e distribuir jogos de tabuleiro para todos os clientes;
apelar para o preço mais baixo ou fazer uma promoção compre 3 cocos e pague 2;
pode criar um concurso para os filhos dos clientes concorrerem a uma viagem à Disney;
pintar de verde-limão com roxo e abrir à noite como uma espécie de balada;
pode criar um tubarão de pelúcia e dar de brinde para os clientes;
pode patrocinar o réveillon e o carnaval...

Enfim, cada solução promete resultados ímpares no curto, médio e longo prazos. Via de regra, quando uma empresa passa um briefing para uma agência é porque ela tem um problema, quase sempre tático (aumentar vendas de um determinado produto, reconquistar a confiança de um determinado target após uma crise, alterar a percepção de uma marca devido a um reposicionamento de um concorrente, desovar estoques, fazer com que as pessoas tomem conhecimento sobre um assunto etc.), mas também pode ser estrutural (não tem equipe interna, não detém know-how etc.).

No mundo real raramente uma empresa tem apenas um problema. É meio que o oposto disso, na verdade: empresas são fábricas especializadas em gerar centenas de novos problemas todos os dias. Normalmente o controle dos problemas - quais são mais ou menos relevantes e prioritários - é feito pelo pessoal de marketing da própria empresa.

É comum que o departamento de marketing determine um "problema da vez" que, após escolhido, seja repassado a alguma agência fornecedora para que esta encontre uma solução. E é aí que entra em cena o planejamento.

O trabalho do planejamento é analisar o maior número de possibilidades, levando em conta as informações referentes à concorrência, à macroeconomia, aos nichos de clientes e tudo mais que possa influenciar nas soluções sob o ponto de vista estratégico-financeiro e, em alguns casos, até jurídico. E depois de considerar todo o contexto, ele irá sugerir o melhor caminho estratégico para solucionar o problema.

A estratégia normalmente é composto por uma série de táticas, normalmente dispostas em um projeto (também chamado de "plano" e quase sempre feito em power point). Em boa parte das agência, o próximo passo é enviar o plano para a criação aprofundar as idéias e criar as peças. Mas existe ainda um outro tipo de planner, o criativo, que vai um passo além e borda esse conjunto de táticas num tecido maior: o conceito. E o conceito, muitas vezes, pode ser um primeiro passo para o storytelling.

Para finalizar, é bom ressaltar que existem dezenas de especializações de planejadores e, como ocorre com toda profissão, existem profissionais bons e ruins. Um bom planejamento consegue trabalhar mais de um problema por vez, ou pelo menos gerar benefícios em mais de uma frente (por exemplo: conquistar novos clientes e, em decorrência deles, aumentar as vendas).

Então, meu caro Titus, para persistir no seu sonho contrate um bom planejamento... Vai terminar vendendo coco como água.


Esse post é uma homenagem ao @vagasplanner, que mesmo com sua camisa xadrez deve ter tido dificuldades em explicar o que faz um planner. 

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  1. oi fernando!
    deixa eu discordar um pouquinho:
    pra mim, dizer que uma estratégia é composta por táticas é quase que o mesmo que dizer que a gravidade só existe porque a maçã caiu...

    e vejo que aí está um pouco do que confunde o papel de um planejador e a entrega de uma agência.temos o objetivo de resolver problemas fazendo uso da comunicação. muitas vezes as fronteiras são fluidas, mas a razão de estarmos nas agências, e não nas empresas, é a nossa expertise em entregas de soluções de comunicação, quaisquer que sejam as manifestações - do on ao off, do above ao below, do tradicional ao inovador.
    faz parte da natureza questionadora do planejador entender o cenário macro e investigar se o problema em si deve ser resolvido mesmo com comunicação - é isso que garante assertividade e relevância para o nosso trabalho. mas aí, acho que cabe a discussão do papel estratégico da comunicação (e das agências, e dos planejadores) junto aos clientes/empresas... porque por mais que as maçãs caiam das árvores, é a gravidade que está por trás disso, concorda?

    sabe que cada vez menos eu penso em vender coco na praia?

    beijos

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  2. Oba! Adoro seus comentário... Aliás um dos próximos posts é a resposta que estou te devendo.

    Não sei se entendi seu ponto. Vou seguir no raciocínio: na medida em que a gravidade está aí - natural e imutável - o papel do planner não seria justamente entender seus efeitos e descobrir como tirar proveito dessa força?

    Talvez fique mais claro o seguinte: dê um exemplo de problema que não seria resolvido com comunicação. Aí fica mais concreto pra debater :)

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  3. Raquel, acho que entendi seu ponto e até por isso dei uma mexida no texto...

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