COMO APRENDER A CONTAR HISTÓRIAS COMO QUEM JOGA BOLA



Esse texto foi publicado inicialmente pelo Gogojobs.


Em tempos de Copa do Mundo, praticamente não se fala em outro assunto na terra do futebol. Os brasileiros se referem ao esporte bretão como paixão e religião, como se esse assunto estivesse acima de qualquer outro. Mas será que isso é verdade? Será que não existe nada capaz de mexer ainda mais com o coração verde-amarelo?

Os arquivos da Rede Globo afirmam que algo inesperado aconteceu em 1970, ano em que o Brasil de Pelé conquistou seu terceiro título mundial. Contrariando as expectativas, a audiência da final entre Brasil e Itália não foi a maior do ano. No dia seguinte, a novela Irmãos Coragem obteve uma contagem superior no Ibope. É verdade que o futebol que corre em nossas veias, da mesma forma que contar boas e longas histórias está no nosso DNA. Mas como a ideia aqui não é colocar um para jogar contra o outro, vamos  fazer um paralelo para elucidar o storytelling através do futebol. 


Para começar é preciso destacar a grande diferença: narrativas não são um esporte, são uma expressão artística. Então não existe uma forma única de se contar histórias. Ainda assim, há formas melhores. Da mesma forma que existe a Copa, existe o Oscar, a Palma e o Globo de Ouro e, acima de tudo, os medidores de audiência e bilheteria. Considerando que times vencem uns sobre os outros, o mesmo ocorre com as histórias: as melhores ganham atenção e são assimiladas como parte da cultura, recomendadas e repassadas através de gerações. Para fazer uma história vencedora, é preciso entender a dinâmica desse jogo chamado Storytelling.


Regras do futebol CONTRA Regras da história
No futebol existem as regras do jogo: a partida dura 45 minutos, a bola na rede pelo lado de fora não vale nada, só o goleiro pode colocar as mãos na bola e assim por diante. No storytelling, cada história tem suas próprias regras: se numa história de zumbis eles são rápidos e burros, em outra eles são lentos só que mais assustadores. O importante é ter uma dinâmica clara, que faça sentido lógico.

Campo de jogo CONTRA Formato da narrativaO futebol acontece dentro de campo. O storytelling acontece nos formatos narrativos: pode ser uma revista em quadrinhos, um filme de longa-metragem, um game, uma música, um livro de romance. Enfim, o importante é que o formato seja explorado da melhor maneira: o cinema privilegia a ação, já a literatura fortalece a vida interior e os pensamentos do protagonista.

Craque CONTRA ProgatonistaNo futebol é comum a figura da estrela do time, um craque que promete direcionar sua equipe. No storytelling existe o protagonista, um personagem muito especial, que vai conduzir a narrativa. Ele vai sofrer e ele vai se transformar e vai acabar sendo muito marcante. Na comunicação corporativa muitas vezes ao invés de fazer um personagem especial as empresas acabam dividindo uma celebridade com muitas outras. É como se o Neymar pudesse jogar pudesse jogar em todas as seleções.

Time de onze CONTRA Dinâmica dramática
Com ou sem craque, um time de futebol tem onze jogadores. No storytelling é possível existir centenas de personagens, mas doze são suficientes para compor uma dinâmica dramática satisfatória. O importante é que cada personagem esteja engajado na história e, para isso, ter um aprofundamento pelo autor. O erro mais comum de autores amadores é fazer personagens superficiais e previsíveis. Assim como o jogador de futebol tem uma vida fora de campo - ele dedica o gol ao filho que nasceu ou sofre uma crise de choro porque perdeu o pai - também os personagens precisam ter toda uma vida que não apareça na tela e só fique nas entrelinhas.

Rivalidade CONTRA Antagonismo
No futebol dois times disputam entre si: e quanto maior a tradição de jogos entre eles, mais promissora é a partida. No storytelling existe a questão do antagonismo, de forças que disputam um mesmo objetivo: o mocinho e o bandido que querem o coração da garota. Assim como um campeonato de futebol comporta muitos times, o storytelling também pode ter várias forças antagônicas. No Game of Thrones são sete reinos disputando o mesmo trono. Já na publicidade é como se todo comercial não passasse do treinamento. Não existe o adversário, a competição, apenas a marca chutando contra um gol vazio e depois comemorando sozinha.

Técnico CONTRA Autor
No futebol é imprescindível a presença do técnico, que apesar de não entrar em campo, é quem escala a equipe e escolhe a estratégia do time. No storytelling o mesmo acontece com o autor, que por mais que esteja escrevendo a história, sempre diz que os personagens só fazem o que eles querem. Sim, porque bons personagens têm vida própria e não podem ir contra suas naturezas.

Bola CONTRA Fio da meada
No futebol todos os olhos se fixam na bola. No storytelling existe o conceito do fio da meada, uma linha invisível que conduz a narrativa. Esse fio condutor pode ser um personagem em perigo, uma maleta com uma carga importante, o mistério de uma ilha e assim por diante. O importante é que essa esse elemento seja estimulante o suficiente para prender a atenção. Numa saga como Harry Potter, o fio da meada é capaz de segurar a narrativa durante milhares de páginas ao longo de sete livros. Por outro lado, tem muito comercial que esse fio não resiste a 5 segundos. Só ver a contagem regressiva do Youtube.

Lances CONTRA Cenas
O futebol acontece em lances, que posteriormente pode ser compactado em melhores momentos. Já o storytelling se desenvolve ao longo de cenas. Cada cena tem uma estrutura de começo, meio e fim ao redor de um conflito, e uma conclusão. Boas cenas acontecem em tempo real e despertam grande emoção.


Viradas CONTRA Reviravoltas
Tem certos jogos de futebol que parecem estar dominados, até que nos últimos segundos o time em desvantagem faz dois, três, até quatro gols e inverte o placar. Já o storytelling tem o conceito de reviravolta, uma revelação que faz você rever a história inteira por um outro ângulo. Fãs de Star Wars, Lost, Jogos Mortais, Sexto Sentido entre tantos outros sabem do que estou falando.

Narrador esportivo CONTRA Narrador da história 
Quando o futebol é transmitido, uma nova figura entra em cena: o narrador, que tem a função de contar o que está acontecendo dentro de campo destacando detalhes que poderiam passar despercebidos pela audiência.  No storytelling também existe o narrador. Nem sempre o narrador é confiável. Ele pode ser um personagem e estar enviesado ou até mesmo mentindo. Os grandes narradores são capazes de dar personalidade e até uma emoção a mais aos acontecimentos. No caso dessa Copa o case fica para a Fox Sport 2, que contratou o humorista Paulo Bonfá para narrar as partidas e com isso ganhou muita audiência.


Placar final CONTRA Moral da história
No final de todo jogo o futebol exibe com muito orgulho o placar final, especialmente se tiver muitos gols. No storytelling as narrativas terminam com a moral da história, às vezes de forma implícita, outras vezes de forma decodificada ou simbólica, a moral é a responsável por trazer o aprendizado, aquilo que faz valer a pena a história ser passada adiante. No caso desse texto, poderíamos dizer: Brasil, o país do futebol, a nação do folhetim.

Torcida CONTRA Atentos
Finalmente, o futebol só tem tanta força no Brasil e no mundo por existir a torcida. No storytelling esse papel quem assume são os leitores no caso da literatura e dos quadrinhos, a audiência no caso do cinema e dos seriados de TV, a plateia no teatro, o gamer dos videogames e o ouvinte das histórias orais. Para facilitar, chamo todos esses de atentos. Isso porque quem está assistindo, lendo ou ouvindo uma boa história, está com toda a sua atenção sintonizada: as duas mãos segurando o livro, o celular desligado no cinema e nem deixa alguém passar na frente da TV no último episódio do seriado favorito. Agora, todo o mundo só fala de futebol, mas quando a Copa acabar o assunto vai saturar e as pessoas vão buscar outras histórias. A sua marca está preparada para narrar? Prepare-se aqui!

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