ENTRE PARTITURAS E ROMANCES



Era apenas mais uma quinta feira e jĂĄ da porta de entrada da escola eu podia ouvir meu professor. Era possĂ­vel perceber na mĂșsica que saia daquele instrumento a felicidade e a confiança de quem conversa com um amigo intimo de outros carnavais. O som rouco rasgava o ar como se o instrumento e o instrumentista por alguns momentos se tornassem um sĂł. Toda aula eu entrava na sala perguntando como Ă© que ele fazia aquilo? Porque Ă© que o som dele saia tĂŁo limpo e seguro, enquanto o meu ainda era fraco e pouco marcante? Toda aula eu tinha a mesma resposta: “Um dia vocĂȘ descobre” – dizia, Jairo, um homem sorridente e sempre bem humorado, antes de bater com os dedos na partitura para que eu começasse a tocar e parasse de falar.

Quando achei que meu instrumento nĂŁo era capaz de criar um som como aquele, o Jairo provou que era possĂ­vel e que o instrumento, coitado, nĂŁo tinha nada de culpa. Mesmo sabendo que a culpa nĂŁo era do sax, gastei uns dois ou trĂȘs salĂĄrios entre instrumento e acessĂłrios novos. Aumentei as horas de aula semanais. Eu precisava saber como Ă© que ele conseguia tirar aquele som. Transformei o saxofone em uma espĂ©cie de obsessĂŁo adolescente, gastava horas do meu dia tocando, experimentando, estudando, todos os dias, esperando que um deles fosse o dia em que eu descobrisse como tirar aquele som.

Um belo dia, a resposta para a minha pergunta mudou: - Cante as notas enquanto toca, use a lĂ­ngua e a boca, faça pressĂŁo na palheta e escute, Ă© assim que vai aprender a tirar esse som!” – me disse Jairo  com seu sorriso bem humorado disfarçado por detrĂĄs de um olhar sĂ©rio de professor. Eu escutei aquelas palavras como se estivesse escutando algum tipo de segredo universal, como se alguĂ©m me entregasse a fĂłrmula da felicidade. Tentei cantar com as notas, fazer mais pressĂŁo, tentei escutar enquanto tocava, atĂ© tentei gravar meus estudos para me escutar tocando. Mas nĂŁo consegui chegar nem perto do som que pretendia chegar. Dormi tentando decifrar o que estava fazendo de errado.

Na aula seguinte montei o saxofone e comecei a tocar, depois do primeiro exercĂ­cio o Jairo me elogiou, era difĂ­cil conseguir um elogio dele, soltei um sorriso, mas nĂŁo me segurei – Jairo, nĂŁo consegui tirar aquele som rasgado que vocĂȘ tira, tentei fazer tudo o que vocĂȘ disse e nĂŁo consegui, porque? – perguntei com um ar de adolescente inconformado.

- Luis, calma, vocĂȘ melhorou muito seu jeito de tocar porque tentou tirar aquele som, mas eu nĂŁo te ensinei tudo, falta um truque.

- Qual truque? Por que vocĂȘ nĂŁo me ensinou o truque entĂŁo?

- Porque se eu te ensinasse o truque vocĂȘ ia parar de procurar por ele, e Ă© procurando que a gente aprende. – respondeu o professor com o mesmo sorriso de sempre enquanto batia na partitura para que voltĂĄssemos a tocar.

Anos depois disso, outro professor, outro grande mestre meu me ensinou que quando escrevemos uma histĂłria o leitor deve procurar por respostas para continuar lendo. Uma boa histĂłria dĂĄ a sensação de curiosidade e confiança de quem tem uma conversa Ă­ntima com um amigo de outros carnavais. 

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