REVENDO CAFÉS E LARANJEIRAS




Acordei enjoado, como de costume, corri ao banheiro e abracei a privada. NĂŁo era ressaca,  hĂĄ 9 meses nĂŁo bebia. Lavei a boca com flĂșor laranja e lembrei-me das laranjeiras de uma vida passada, de quando ainda era uma criança. Encontrei, com os olhos entreabertos, no fundo de uma xĂ­cara de cafĂ© do dia anterior, repetindo em minha mente, como o disco do Chico Buarque que minha mĂŁe ouvia, o lembrete: “Todos jĂĄ nos apaixonamos pela inspiração, mas devemos nos casar com a disciplina, essa sim nos aguarda em casa de janta pronta quando estamos cansados do mundo inteiro.” Dizia a voz de um inquilino parasita em minha mente perturbada.

Ainda sofria o abandono. Ela foi embora e levou consigo o que restava de amor pelas palavras. Era deprimente a ideia de continuar sozinho. Tudo era inĂștil sem o amor para nutrir a cria. Antes dele ser jogado ao mundo, como um filhote de pomba, e levantar voo, era preciso alimentĂĄ-lo, poli-lo, era preciso decidir o que deve ficar, ou nĂŁo, entre uma letra maiĂșscula e um ponto final, alguns truques superficiais de sobrevivĂȘncia para qualquer romance recĂ©m nascido.Diferente de uma criança, um romance quando nasce deve estar pronto para dividir a casa com desconhecidos e rodar o mundo em qualquer bolsa ou mochila escura em que possa caber.

O mundo agora teria de abrigar mais um livro, pocket, em bancas de jornais e prateleiras por todos os lugares. “Quem dera fosse possĂ­vel revisar a histĂłria de nossas vidas.” Pensei ao voltar para cima das laranjeiras da infĂąncia.

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