EMOÇÃO

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Desliguei o telefone com um sorriso no rosto. Fazia tempo que alguém não me fazia feliz assim. Estava tudo tão certo que o texto começou a sair, de fininho, sem alarde, sem problemas, sem desgosto nenhum. Era uma história simples, um pequeno conto sobre um garoto simples que descobriu um mundo inteiro escondido na biblioteca da escola. O primeiro livro, alguma versão, ao estilo disney, de Alice no País das Maravilhas, fez com o meu personagem o que a minha ligação fez comigo. É incrível como essas pequenas coisas da vida parecem fazer tudo ficar mais fácil, mais leve. Por alguns minutos, dois ou três parágrafos, eu escutei o silêncio. Só com muito bom humor para escutar o silêncio no centro de São Paulo.
O telefone tocou e o mundo parou, quer dizer, o mundo do menino do meu conto. Olhei em volta e parecia sair de um transe, reconheci o lugar e me lembrei por que estava acordando. Era o telefone, não conhecia o número, mas não importava, estava feliz demais para ignorar alguém. Atendo o telefone e escuto a voz da minha irmã, um tanto nervosa, mas ela é sempre assim, então ignorei.
- Tudo bem?
- É, tudo... tudo bem sim... e você? Tudo bem? Tá trabalhando?
- Sim, sim... tenho que terminar um conto... e você, onde tá?
- Eu... bom... eu estou aqui... no Dr. Lucas.
- Tá fazendo o que ai? Tá tudo bem mesmo?
- Então... tá tudo bem sim... quer dizer... é Juju... ela não tá muito bem não. Mas, ó, fica tranquila, deve ser só uma virose ou alguma coisa do tipo.
- Nossa, credo! A Juju é a mais nova de todas não é?
- É sim... bom, tenho que ir, liguei pra saber se você vai jantar com a gente amanhã?
- Vou, vou sim... preciso voltar pro meu conto também. beijos.
- Tá bom... beijos.
Desliguei o telefone e voltei pro conto. Percebi que meu computador precisava de uma limpeza. Não tinha visto aquele pó todo. O Bruno, o menino do texto, já tinha terminado seu primeiro livro. Agora ele estava lendo outro. "Marley e eu"... curioso como só percebi que livro era depois de alguns parágrafos. E No fim do livro o Bruno estava triste, mas eu estava feliz demais para deixá-lo assim.
- Mônica, tudo bem?
- Tudo sim, Karina, o que foi agora?
- Então, Mônica... é a Juju, ela teve que operar e..
- Como assim? Operar? Nunca ouvi falar de operação pra virose? Que que tá acontecendo?
- Não é virose, é câncer, Mônica... a gente já sabia mas não queria te contar, não era pra falar nada pra mamãe.
- Câncer? a Juju tem Câncer e você não me disse nada? Nem pra mãe? Tá louca meu?
- Então, Mônica, a Juju morreu.
- Como assim, a Juju morreu? Você é triste viu... e agora, quem vai contar pra mãe isso ai?
- Então, eu conto, né... mas, você não queria ir lá pra casa, dar uma força?
- Tá bom, tá bom... eu vou, mas tenho que terminar esse conto antes.
Desliguei o telefone sem dar tchau nem nada. Voltei pro Bruno. Agora o conto era como um choro, pausado, engasgado, difícil de sair. O Bruno, coitado, cada vírgula uma lágrima. Não acredito que nem o Lucas me ligou. Quer dizer, Dr. Lucas. A gente cresce junto, brincando de carrinho de rolimã e agora o moleque se forma em veterinária e quer ser chamado de doutor. Tentei me concentrar, mas o barulho era tanto que a folha não ia entender muito bem o que eu queria dizer. Ruídos estranhos me separavam do Bruno. Quem chorava na verdade era eu, no fim das contas, nem terminei o conto.