O que falta para o escritor brasileiro


Publicação adaptada do artigo publicado no Portal Administradores

Os Storytellers estão na Flip2015 e já participaram dos cafés literários promovidos pelo Sesc. O primeiro teve o sugestivo tema (Sobre)viver de Literatura. O debate foi acalorado, não só pelo calor da sala lotada de pessoas interessadas pelo assunto, como pela paixão da fala dos autores. Diz o bordão popular que "não tá fácil pra ninguém", mas para o escritor brasileiro parece que a situação é ainda mais difícil.

Uma coisa é certa, aos olhos da sociedade brasileira, escritor não é profissão. Faça o teste ao conhecer alguém: apresente-se como alguém que vive de escrever livros e verá que as próximas perguntas serão "você escreve sobre o quê?", "como é a vida de escritor?" e "como você faz para ganhar dinheiro?". O escritor Paulo Scott que lançou um livro intitulado O Ano Em Que Vivi De Literatura brincou "se você quiser saber como foi a minha vida de deixar um alto cargo de advocacia para viver de literatura, pergunte à minha mulher" e alguém da plateia comentou sem titubear "coitada".

Números do mercado comprovam um pouco dessa visão. Mesmo que as vendas de livros venham crescendo a um ritmo de 10% ao ano, a expectativa de um novo autor é ter de duzentas a trezentas cópias desovadas por leitores. Um livro no Brasil que venda mais de dez mil cópias é considerado um best seller. Já nos Estados Unidos, a expectativa de estreia de um novo autor está em torno de vinte a trinta mil cópias. O próprio Paulo Scott comentou que "ainda temos que comer muita grama para chegar mais perto deles".

Dois grandes motivos separam as realidades literárias do Brasil e dos Estados Unidos. O que separa o sobreviver do poder viver bem. A primeira é mercadológica, e como apontou Luiz Ruffato, "escrevemos em português, que é uma língua que ninguém fala". Fica mais difícil de levar a obra a outros mercados. Alguns acadêmicos rebateriam esse argumento com a literatura russa, que é uma língua menos abrangente que o português e mesmo assim se tornou a literatura mais influente do mundo. O que nos leva ao segundo motivo, que tem a ver com o preparo técnico.

A maioria dos autores brasileiros são autodidatas, perseguem seus sonhos e escrevem o que vem do estômago. Os autores nos Estados Unidos, depois da graduação, estudam mais dois anos o Master em Fine Arts, o equivalente ao MBA para um romancista ou roteirista. Não quer dizer que todo livro escrito por um estadunidense é ótimo. O ponto é que olhado do ponto de vista de produto cultural, sempre é uma obra mais completa. Existe um equilíbrio entre enredo, estilo e divulgação.

Um dos problemas de escrever pelo estômago é o ritmo, que tende a ser considerado lento demais para manter intrigado os jovens leitores crescidos ao ritmo dos filmes, dos vlogs e dos romances em que muita coisa acontece em pouco tempo. Essa questão de estilo, também chamada de poética, tem a ver com as técnicas narrativas, com o 'telling' do storytelling, e ajudam a manter a atenção de um leitor cada vez mais disputado.

O outro problema é o controle sobre o enredo. Ao não conhecer a estrutura tradicional dos contos e fábulas, além das convenções de gênero, o autor tem dificuldade em manejar os rumos da narrativa além de onde o estômago aponta. Uma evidência disso é a dificuldade que os autores brasileiros encontram ao ter que escrever uma história a partir de um briefing, por mais vago que seja. O exemplo da coleção Amores Expressos citada durante o debate ilustra esse ponto. Muitos anos depois que um grupo de escritores consagrados brasileiros foram convidados a viajar para se inspirar e na volta escrever uma história de amor, muitos sofreram com o processo e outros nem chegaram a concluir o desafio. O difícil é conseguir fazer uma obra funcionar, sendo que ela não veio do âmago.

Mais do que programas de incentivo à produção literária, a solução para o mercado brasileiro de livros apontada pelos debatedores foi a educação. Claro. Afinal, como podemos falar de um Brasil que lê, com grande parte da população sendo analfabeta funcional? Mas a educação também pode servir aos escritores.

Para ajudar a entender as engrenagens e dominar melhor o processo é fundamental que os autores invistam na formação técnica, seja por meio da imersão em livros técnicos, seja por meio dos cursos de escrita criativa como a do Assis Brasil e de storytelling e transmídia em instituições culturais como a galeria de arte b_arco.

Para terminar, a questão da divulgação é sempre polêmica. Paulo Scott comentou o problema que assola muitos jovens escritores que mais se preocupam com suas contas nas redes sociais do que com suas obras. Não adianta divulgar algo que não tem substância. Mas quando algo com substância não é devidamente divulgado, caímos no desperdício tão cruel quanto raspar a comida do chef na lata do lixo. A reclamação que mais tenho ouvido de editores é que o escritor brasileiro entrega o texto e, pronto, considera que seu trabalho está finalizado.

Muitos escritores sentem que fazer a autopromoção seria se vender ao sistema e macular a aura artística. Aqui vale evocar a fala 'bélica' do escritor Luiz Ruffato, "esse tipo de discussão é uma mediocridade da classe média, que quer alçar a letra e a literatura a um patamar imaculado. Ninguém levanta essa questão para cineastas ou artistas plásticos".

Saber divulgar o próprio trabalho é fundamental para formar novos leitores. Afinal, como alguém vai se interessar por algo de que nunca ouviu falar? Não adianta reclamar depois que o Brasil é um país de não-leitores e vociferar contra sucessos internacionais que souberam embalar suas obras para criar um público interessado. 

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