Escritores e histórias – Inspiração


Escritor com cartão? Algo como “Luis Fernando Verissimo – Escritor”. Acho difícil. Nunca vi, pelo menos. São em sua maioria desprovidos de um espírito comercial de modo que muitos enfrentaram e ainda enfrentam dificuldades financeiras; e até por isso consideram vocação o ato de escrever histórias. Tanto que atualmente é uma das poucas profissões não regulamentadas e são pouquíssimas escolas superiores que ensinam o ofício.

Assim tornam-se os escritores pessoas incomuns e interessantes. Diferente da maioria, os grandes autores - e as mensagens contidas em suas obras - podem atingir imortalidade. Além disso, há o fato de que se trata de um dos poucos ofícios que é ao mesmo tempo artístico e intelectual. E por tudo isso há uma aura de status que os cerca.

As notas de Dostoiévski para o capítulo 5 da obra Os Irmãos Karamazov ilustra o aspecto solitário do ofício, que pouco mudou nos últimos séculos: continua artesanal, mesmo com ajuda do computador. O que os escritores faziam há 300 anos continua sendo o que fazem hoje: escrevem a partir de suas inspirações. Como algo que parte de dentro pra fora, e que vem de uma fonte desconhecida e incontrolável.

A maioria acredita na inspiração, a exemplo do romancista turco Orhan Pamuk que fala do “Anjo da Inspiração” que muito visita alguns e pouco outros. A minoria, como o caso de Carlos Heitor Cony – que chegou a demorar 23 anos entre um romance e outro – diz que não conta com a inspiração na hora de escrever.

Mas o fato é que há uma máxima entre os escritores: “o escritor não escolhe seus temas: é escolhido por eles”. São raríssimas as exceções como Monteiro Lobato. E aí, a partir desse tema que os escolheu, começa o trabalho de construir todo um universo ficcional. Paulo Coelho fala que é como pegar um barco e explorar uma “Ilha”, Pamuk diz que é como compor “mundos”, Mario Vargas Llosa utiliza o termo “realidades fictícias”.

Ernest Hemingway - que se refere ao universo ficcional por meio do termo “país” - descreve o processo mais ou menos assim: “você precisa enxergar o país em sua totalidade o tempo inteiro, não bastando ter uma sensação romântica acerca dele. Mas tem dias em que o processo fluiu tão bem que era possível andar nele por meio de suas árvores, atravessar uma clareira, subir a montanha e, lá do topo, avistar as colinas após o lago”. Carol Bensimon também fala sobre isso em um de seus posts.

Alguns universos ficcionais se tornam tão ricos e complexos que personagens de uma história aparecem em outra, tornando tudo ainda mais interessante. Contudo, criar esses universos para, a partir dele, recortar uma história é um trabalho árduo e incessante: cerca de uma página publicável por dia. Manter o fôlego e a disciplina para poder criar tal nível de complexidade e detalhamento exige uma dedicação exclusiva e excludente. Compor histórias ocupa a existência e extrapola as horas que alguém se dedica à escrita, impregnando tudo mais que se faz.

Isso faz dos escritores verdadeiros caçadores de inspiração, sempre observando tudo ao seu redor e refletindo sobre tudo o que se passa dentro deles. Afinal, é desse exercício que encontram a matéria-prima para escreverem suas obras. Mario Vargas Llosa constata que a raiz de todas as histórias está na experiência de quem as inventa, de modo que toda ficção parte de uma semente visceral de quem a forjou.

Com isso, o escritor acaba tendo o importante papel de falar de coisas que as pessoas sabem, mas que só se dão conta a partir do momento em que se identificam com situações ou personagens e se projetam nas histórias. Ou como resumiu Pamuk: “o escritor fala de coisas que as pessoas sabem, mas não sabem que sabem”.

E é assim que os escritores partem de suas inspirações para inspirar os outros.

OBS: obrigado pela dica da dupla Nana e Frei que corrigiram um dos erros mais indesculpáveis que cometi nos últimos tempos: é verdade, Verissimo não tem acento.


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