PÃO DE MINUTO, MEMÓRIA E STORYTELLING



Uma das memórias mais antigas que eu tenho é a imagem da minha avó na cozinha e o cheiro do pão saindo do forno. Um pouco mais tarde, lá pelos meus 11 ou 12 anos era a minha tia que morava com a gente e fazia a casa inteira cheirar a comida. Meu pai transformava qualquer lanche de domingo em um evento especial, fazendo seus lanches com o cuidado de quem pinta um quadro. Eu e a minha mãe até hoje temos nossas conversas mais longas e divertidas na cozinha, enquanto ela me ensina uma das receitas que aprendeu com a minha avó ou eu a ensino uma das receitas que aprendi pelo mundo. Adoro cozinhar, sempre gostei do cheiro, do som e, é claro, do sabor de uma comida bem feita. A maior parte dos meus momentos criativos, para ser sincero, não são na frente do computador, mas na frente do fogão, planejo enquanto cozinho e escrevo depois.

Mas o que isso tem a ver com storytelling?

Bom, contar uma história, além de ser uma ótima forma de transmitir conhecimento, também é a principal forma de se transmitir ou reviver uma memória. Há muitos estudos sobre o poder da memória, sobre a sinestesia que faz com que uma lembrança, talvez uma foto, permita que você sinta o cheiro e até o sabor daquele delicioso bolo do seu aniversário de 5 anos. Tudo está ligado e, naturalmente, quando lembramos dessas coisas as transformamos automaticamente em narrativas. Só depois de começar a trabalhar com storytelling que eu percebi, cozinhar não era a única coisa que a gente fazia na cozinha, nunca foi nem a mais importante. Na verdade, minha mãe e minha avó me contavam histórias de suas vidas e das vidas de seus pais e amigos, e no final da história, além de ganhar aquela sensação de conhecer melhor as pessoas que eu amava eu ainda ganhava um pão quentinho, ou um bolo, ou uma macarronada etc...

Aos 20 e poucos anos eu fui morar na Inglaterra, precisava trabalhar para pagar aluguel e tudo mais que gente grande tem que pagar, não tive dúvidas do que queria fazer: fui virar chefe de cozinha. Quando voltei pro Brasil a minha paixão pela cozinha só aumentou, não me tornei um super-chefe profissional nem nada, mas um amante irrecuperável da terapia que é cozinhar. Enfim, o storytelling apareceu na minha vida e todas essas memórias se tornaram pequenas narrativas que eu contava para todo mundo, cheio de orgulho de mim mesmo. Certo dia, a Martha Terenzzo, em uma reunião mencionou um pão que a sua mãe fazia para ela e para suas irmãs quando pequenas, o tal do pão de minuto. Eu me lembrei então que já havia feito esse pão de minuto em algum momento da minha vida e me ofereci para fazê-lo novamente. Semanas se passaram e o dia a dia não me deixava cumprir minha promessa, até um dia que eu finalmente decidi, que mesmo sem tempo, faria o bendito do pão.

Após alguns minutos retirei os pequenos pães do forno e coloquei em pote para manter o calor. Fui com pressa para a reunião, levando os pães, um copo de requeijão e um pote de doce de leite. Na reunião encontrei com a Martha e abri o pote, ela logo pegou um dos pães em sua mão e sentiu o calor interno dele escapando e forma de um fumaça fina, cheirosa e quente. Ao vê-la dar a primeira mordida eu sabia que aquele pão, nada muito complicado, trazia-lhe memórias fortes, lembranças que pela primeira vez em anos deixavam de ser narrativas contadas aos amigos e se tornavam experiências dividas com os amigos. Mas não era o pão que lhe causava toda aquela emoção, não era a massa nem o calor da massa, era a história por de trás de tudo isso. Uma história que ela já dividido conosco, uma história que de tão poderosa e bela, mudou para mim o sabor daquela simples receita.

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  1. Texto bem interessante, Luis. Tenho esta mesma impressão, de que a comida e a culinária trazem algo muito mais apaixonante que cheiros e sabores. A história por trás disso tudo é o que nos move, junto a fome.

    Um abraço, sucesso.

    Fernando Miranda
    http://ruidoepop.blogspot.com.br/

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