PĂO COM AZEITE E SAL
JĂĄ faz tanto tempo que na maior parte dos dias eu nem lembro. Azeite, duas colheres de sopa, e sal, apenas uma pitadinha. O pĂŁo francĂȘs, que de francĂȘs nĂŁo tem nada, sem a casca, sĂł o miolo raspando no prato e misturando o azeite no sal. Para mim a infĂąncia tem gosto e esse com certeza seria um deles. PĂŁo com azeite e sal.
- Vó, o que tem de café da manhã?
- Leite com groselha e pĂŁo com azeite e sal.
- NĂŁo tem mais nada para por no pĂŁo? - eu reclamava sem saber a falta que aquele ritual me faria alguns anos mais tarde.
Ela sentava sempre na mesma cadeira, perto da porta, parecia gostar do vento que vinha da varanda. Cortava o pão em quatro, nunca em dois como eu via o pessoal da padaria fazendo. Tirava as cascas mais duras, era delicada, calma e sempre me contava uma história enquanto preparava seu café da manhã. Minha avó adorava histórias, livros, contos e causos, muitas dessas histórias vinham da Itålia no mesmo navio que da mãe dela, ou do pai. O azeite, sempre o mesmo, uma lata de cor dourada com detalhes em vermelho. Era o cheiro do azeite e do pão se misturando no ar que tornava toda manhã ainda mais mågica.
- Tem sim! Tem manteiga! E daqui a pouco eu tiro o pĂŁo doce do forno. Agora come ou eu faço como fazia minha mĂŁe e te deixo aqui, sentado o dia todo atĂ© vocĂȘ comer o seu pĂŁo. - era sempre assim, com algum comentĂĄrio despretensioso sobre o passado que ela começava suas histĂłrias.
Foi naquela mesa que eu conheci a ItĂĄlia, ou pelo menos a imagem que ela criou da ItĂĄlia, e Portugal. Foi ao cheiro do azeite de lata dourada que eu aprendi a histĂłria de Adriano, meu bisavĂŽ, portuguĂȘs de natureza, mas brasileiro de coração. Dono de padaria, cozinheiro de mĂŁo cheia, trabalhador. Um dos herĂłis de minha infĂąncia.
Quando a minha avĂł ficou doente, fazĂamos de tudo para manter o ritual. Todo domingo eu sentava na cama, com um prato cheio de azeite e sal.
- VĂł! Vamos comer? Olha eu tiro a casca do pĂŁo pra senhora!
- Obrigado filho! - Me respondia a senhora de cabelos brancos que mesmo de cama ainda tinha o sorriso mais contagiante que eu jå vi na minha vida. A lata de azeite ficava aos meus pés, ao lado do saleiro.
As histĂłrias continuavam, entre um pedaço e outro de pĂŁo eu acabava descobrindo um pouco mais sobre a minha famĂlia e conhecendo um pouco melhor o mundo fantĂĄstico que a minha avĂł criou para contar suas histĂłrias para mim, meus primos e minha irmĂŁ.
Foi em uma dessas histĂłrias que eu aprendi a fazer massa de macarrĂŁo e decidi me tornar cozinheiro, como meu bisavĂŽ. O mundo, Ă© claro, nĂŁo Ă© como o mundo fantĂĄstico das histĂłrias da minha avĂł, mas sempre que eu preciso de um pouco de esperança ou daquele conforto e segurança que eu sĂł sentia no cafĂ© da manhĂŁ, eu vou atĂ© a cozinha, pego o azeite Gallo, um pĂŁo francĂȘs e me deleito nos sabores da minha vida como se o destino jamais tivesse tirado a minha avĂł de mim.
Escrevi o texto acima pensando em uma propaganda de azeite, a histĂłria Ă© real, mas nada me impede de usĂĄ-la, aliĂĄs, o azeite, para mim Ă© coisa sĂ©ria e assim que deve ser quando falamos de storytelling, o produto deve ser parte da histĂłria, afinal Ă© isso que faz as pessoas se relacionarem com ele no fim das contas, comprarem. Se eu fiz tudo certinho, vocĂȘs sentiram vontade de comer pĂŁo e/ou azeite e quem sabe quando chagarem no mercado e olharem para a lata de ferro dourada e vermelha, quem sabe vocĂȘs nĂŁo levam um desses para experimentar o sabor da minha infĂąncia?
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