O primeiro ato nas telenovelas

O que faz de uma telenovela um grande sucesso – até mesmo quando é reprisada? Certamente, essa é uma questão cada vez mais perguntada a grandes novelistas e, talvez, menos respondida. Os tempos mudaram, os noveleiros já não são mais os mesmos e são menos, do que foram no passado. As séries da tevê fechada, o Netflix, a vida agitada nas grandes metrópoles, o trânsito, a carga horária de trabalho estendida... Tudo atua para ser um antagonista da velha audiência da telenovela.

Com todos os obstáculos, entretanto, a novela persiste no protagonismo como o principal produto de entretenimento brasileiro. E não é preciso recorrer ao passado para confirmar. De tempos em tempos surge um grande fenômeno, uma Avenida Brasil, para estacionar o controle remoto do brasileiro na TV Globo.


Avenida Brasil, em 2012, foi o último grande sucesso do horário das nove. Em 2004 só se falava em Senhora do Destino, com mais de 50 pontos na média de audiência. Recentemente, Império veio com a responsabilidade de reerguer a audiência do horário nobre, e tem se saído bem. E já que falamos de grandes sucessos, Rei do Gado foi a novela escolhida para, mais uma vez, ser reprisada e tem esquentado o horário da tarde.

O que essas 4 novelas têm em comum? Além do sucesso, Avenida Brasil e Senhora do Destino tiveram duas grandes vilãs – Carminha e Nazaré. Rei do Gado e Império, por suas vezes, trazem ótimos protagonistas em Bruno Mezenga e no Comendador José Alfredo. Mocinhos ou vilões, boa parte da qualidade atribuída a esses personagens é construída logo no início – no primeiro ato da novela.

Uma das formas mais conhecidas de estruturação de uma história, principalmente no cinema, é a estrutura de atos. Sejam 3 ou 4 atos, eles determinam o que vem antes, o que vem depois, na trama. Em linhas gerais, é o básico “começo, meio e fim”, “introdução, desenvolvimento e conclusão”. De Aristóteles em “Poética” a Syd Field em “Manual do Roteiro”, muitos autores estudaram os atos de uma história e criaram modelos a ser seguidos.



Seja qual for o modelo, em todos eles o que caracteriza o primeiro ato é a apresentação de personagens. É o momento que os personagens tem para desenvolver sua profundidade que será testada no desenvolvimento da história. Mais do que o sucesso, é o primeiro ato da história que une Rei do Gado, Senhora do Destino, Avenida Brasil e Império.

“Os personagens, principalmente dos programas de televisão, não são nada complexos, dizem exatamente o que estão falando ou sentindo. E isso, é claro, é algo extremamente artificial, eles não têm profundidade ou subtexto, são muito previsíveis e clichês. A audiência não precisa disso, vai entender sem o personagem ter de dizer.” 
– Robert McKee, sobre as novelas brasileiras.

O que explica o sucesso dessas 4 novelas, sem dúvidas, é uma série de fatores. Entre eles, também sem dúvidas, o que diferencia as 4 tramas de muitas outras é a apresentação dos personagens no primeiro ato. Quem assistiu deve lembrar: todas elas trabalharam com flashbacks iniciais ao passado de seus principais personagens, dando vida às suas motivações, drama a seus traumas, realidade à história de seus protagonistas e antagonistas.

Fora da tevê aberta, não é diferente. Quem quiser lembrar de Breaking Bad, as motivações de Walter White só fazem sentido após a explicação de tudo que aconteceu em seu passado.

Mais do que usar o artifício do flashback, histórias como essas provam a importância de personagens bens desenvolvidos, de um universo bem construído. Ou então, como sempre reprisamos por aqui, de um “story” muito maior que seu “telling”. 

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