Como esse artista se tornou herói de guerra aos 78 anos

 


Você sabia que o Monet foi um herói de Guerra Mundial? Pois é. Essa é uma história que pouca gente sabe sobre o famoso artista francês.

Monet foi considerado um gênio pelo seu estilo único na pintura. Seu objetivo com os pinceis era transmitir a impressão exata que ele sentia diante de algo belo. Sua preferência eram flores e águas – e o reflexo da luz solar sobre estes elementos da natureza.

Assim como acontece com a maior parte dos grandes artistas, foi desacreditado no começo. Passou por dificuldades financeiras. Suas pinturas eram chamadas de incoerentes, falsas, insalubres e cômicas. Ele conta, com certo ressentimento, que um colecionador que comprou um quadro seu foi tão ridicularizado pelos críticos que o retirou da parede. Um desses críticos chegou a dizer que uma criança se divertindo com giz de cera fazia um trabalho melhor.

Aliás, “impressionismo”, movimento artístico do qual Monet é considerado o maior nome, foi um batismo pejorativo dos críticos. Ele, Renoir, Degas e Cézanne eram menosprezados jocosamente por suas obras que seriam “menos bem-acabadas do que um papel de parede”.

Ele mantinha uma caderneta com os recortes das críticas. Apesar disso, nunca se abalou. Ignorou todas e se manteve firme numa jornada de autoaperfeiçoamento. Essa persistência deu frutos e o levou a ser um dos poucos artistas a verem o sucesso em vida. E não qualquer sucesso.

Em um momento triunfante, ele viu 14 de seus quadros irem para um dos maiores museus do mundo, o Louvre (isso geralmente acontecia após, pelo menos, 10 anos da morte de um artista). Aquelas mesmas obras que, um dia, foram tão intensamente desprezadas pelo estabelecimento artístico e tão controversas para o público, agora, ocupavam um lugar de respeito na história.

Enfim, suas obras foram elogiadas a ponto de serem comparadas aos afrescos de Michelangelo na Capela Sistina e aos últimos quartetos de Beethoven. Seu colega Manet o chamou de “Rafael das águas”. A reputação de Monet como maior artista vivo era indiscutível. Porém, após o sucesso, veio o cataclisma da tristeza.

Alice, sua esposa amada, morreu. Em seguida, seu filho Jean, precocemente também morreu. Como se já não fossem perdas suficientes, a vista esquerda começou a ficar comprometida, bem como a sua percepção de profundidade e, o pior: até a visão das cores tinha ficado distorcida. Os críticos – olha eles aí novamente - já começaram a apontar que Monet estava ultrapassado... Mas ele seguia não se importando com isso.

Até que veio a Primeira Guerra Mundial e tudo mudou. Se Monet lidava bem com as críticas externas, certamente não lidou tão bem com a autocrítica. Ele passou a se sentir constrangido por pintar flores e lagos, enquanto outros franceses, inclusive um de seus filhos, pegavam em armas. Ele paralisou. Chegou a pensar que nunca mais iria voltar a pintar...

Começou, neste momento, sua busca por tentar ser útil para além dos pinceis. Os soldados feridos eram alimentados com legumes da sua horta. Ele doou quadros para que instituições de caridade pudessem fazer leilões. Ainda assim, ele se sentia insuficiente. Até que foi convocado a ser um dos signatários de um manifesto contrário à guerra. Os artistas e intelectuais franceses precisavam daquele nome de peso para dar relevância àquela ofensiva cultural.

O manifesto não foi a última vez que Monet foi convocado a emprestar seu nome e seu talento aos esforços de guerra. Mas, enquanto não foi convocado novamente, ele pôde voltar a pesquisar cores e formas em paz. Trabalhou por anos naquele que veio a se tornar o projeto mais importante da sua vida: a Grand Décoration.

A Grand Décoration era um projeto audacioso, que beirava o impossível. Monet sonhava em pintar vários quadros imensos que não terminavam em si. Um a um, as telas de muitos metros de largura e altura se complementavam em composição, formas e luz. Juntos formariam um ambiente imersivo jamais visto.


 Enquanto Monet trabalhava em seu projeto dos sonhos, o governo francês fez uma proposta inusitada: o convidou para pintar a Catedral de Reims, uma das mais importantes da França e que havia sido destruída pelos alemães. A ideia era que essa imagem chocasse o mundo e servisse como um testemunho contrário à barbárie. Uma série de pinturas da catedral semidestruída, vinda do pincel de Claude Monet, anunciaria ao restante do mundo o medonho vandalismo de um modo que nenhum fotógrafo poderia fazer.

Embora Monet tenha respondido prontamente à incumbência, ela viria a apresentar uma série de desafios. O maior deles, evidentemente, era que os bombardeios estavam longe de acabar. Os projeteis seguiam caindo. A população de Reims estava praticamente exterminada. E não havia qualquer razoabilidade em levar um senhorzinho de 78 para se expor tão vulneravelmente assim.

Monet não era um artista de ateliê. Ele pintava in loco. Captando as impressões do momento. Essa era a sua marca registrada. Destruída pela guerra, Reims não oferecia abrigos onde ele pudesse se instalar com segurança ou comodidade. Portanto, o tempo foi passando sem que essa empreitada tivesse início.

Nessa época, algumas fotos da Grand Décoration começaram a circular pela França. Gente do alto escalão do governo e grandes artistas, como Matisse, se impressionaram com a vasta ambição de Monet e, acima de tudo, com a abrangência do seu talento. Monet nunca havia feito algo naquela escala de complexidade.

Para a sua surpresa, seus esforços e talentos não apenas foram notados, como consagrados. Aqueles membros do governo que haviam contratado as obras da Catedral de Reims, decidiram que a grande “obra de guerra” (oeuvre de guerre) seriam as ninfeias de Monet. Ou seja, ao invés de promover uma catedral destruída, fazia muito mais sentido utilizar a Grand Décoration, como propaganda da glória da cultura francesa.

Foi assim, portanto, que Claude Monet, o maior dos impressionistas franceses, e certamente um dos maiores artistas de todos os tempos, se tornou, aos 78 anos de idade, um verdadeiro Herói de Guerra, sem nunca ter tocado em armas.  

Fiquei sabendo dessa história no livro “Monet e a pintura das Ninfeias” de Ross King, enquanto estou vivendo em Paris. A dica veio de uma seguidora no insta. Uma das coisas que gosto dessa vida de nômade digital é mergulhar na cultura do local e descobrir as suas histórias enquanto estou ali pra ver de perto. Dessa forma, acabei aprendendo duas grandes lições com Monet.

Primeiro, as críticas vão vir a qualquer momento da sua carreira, então registre mas não se abale. Segundo, há outras formas de lutar numa guerra e a arte talvez seja a maior das armas secretas. Afinal, mesmo depois de décadas, essas obras continuam aqui pra nos impressionar. Elas estão expostas no museu L´Orangerie. Aliás, qual foi a última vez que uma obra de arte te impactou?

Com amor,

Flávia Monjardim

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