PARA SERMOS VERDADEIROS, SERÁ QUE PRECISAMOS SER MAIS FANTÁSTICOS?

https://www.storytellers.com.br/2014/12/para-sermos-verdadeiros-sera-que.html
Aliás, escrever em si já é um ato consciente, não nascemos
sabendo idiomas, regras gramaticais e muito menos os significados sutis das
palavras, portanto, nem que seja a consciência da “força que nos domina” ao
escrever, estamos sempre conscientes de alguma forma.
Há quem diga que o que está no papel é ficção, por isso
cunhamos o “baseado em fatos reais” e não o “essa é uma história real”. Se
estamos conscientes é porque temos alguma, nem que seja pouca, experiência de vida.
E dizem os especialistas, filósofos, sociólogos e até alguns pensadores de boteco
que são essas experiências que criam, no fim das contas, as lentes pelas quais
enxergamos o mundo.
Hitchcock já dizia que a “história é a vida sem as partes
chatas” e para quem assistiu Storytelling, o filme, a mensagem é clara: não importa quão baseada
em fatos reais seja a sua história, ela será, sempre que posta no papel, uma
ficção.
Esse é, no fim das contas, o trabalho de muitos de nós, a
descoberta das palavras, a brincadeira despretensiosa com a linha de equilíbrio
entre a realidade e a ficção. A válvula de escape do que está preso dentro de
nós. A nossa profissão é a constante busca pelo poder de transformar uma sala
de cinema em uma máquina de viagens intercorporais. Um livro é uma porta para o
outro lado da janela, o lado de dentro dos olhos de outra pessoa.
Assusta-me o espanto das pessoas quanto a descoberta da
ficção na publicidade. Não consigo entender como é que podemos esperar
realidade em anúncios que tem por objetivo maior alterá-la e torna-la
palatável. Não estamos falando de mentiras, estamos falando de um ato natural
de mostrar o melhor que podemos sobre os nossos produtos e marcas, apenas isso.
É como uma conquista qualquer, ninguém sai por ai demonstrando todos os seus
defeitos no primeiro encontro.
Há entre o acordo de suspensão da realidade e uma redação
publicitária, muito mais do que a nossa vã filosofia é capaz de imaginar.
“Abrir a felicidade” é tão ficção quanto a história do avô que veio da França
com sua receita de sorvetes na qual um dos principais ingredientes é a neve.
Usar neve para fazer sorvetes não é absurdo o bastante para que entendamos que
a história é uma ficção? Ou quando abrimos uma lata de Coca, saem dela raios da
cor do arco-íris recheados de felicidade?
Não! Nenhuma palavra é por acaso. Ainda mais quando escritas
por mais de 4 mãos e 2 cabeças. Ainda mais quando admitimos que entidades
corporativas não humanas, símbolos artificiais com significados cuidadosamente
criados através da utilização de ciências que vão desde etimologia e semiótica
até a física das cores e química das tintas, todas resumidas como “branding”.
Não entendo, enquanto sento na frente do meu computador de onde é que veio a
expectativa de que o sorvete de neve era real. Realmente, não entendo. Houve, é
claro, um erro na criação da história. Algo que a tenha a feito parecer um
pouco mais absurda, ou seja, ficcional, talvez fosse a solução. Talvez se na
histórias houvessem monstros e elfos o mercado não estaria tão inconformado. O
que nos leva ao ponto mais curioso de toda a discussão entorno da ética do
storytelling: vivemos em um tempo no qual para ser verdadeiro, talvez
precisemos ser fantásticos.