Os Fundamentos do Storytelling: origens, princípios e evolução ao longo da última década




Começando pelo conceito: o que é Storytelling?

Se eu tivesse que escolher apenas uma informação de todo o curso, seria essa aqui: Story é uma coisa, Telling é outra.

Para entender melhor, vamos à tradução de StoryTelling. Story significa história. É a parte abstrata do conteúdo. Cada pessoa carrega em si uma versão diferente da história. Isto porque as histórias só existem dentro de nossas mentes, e são feitas de memórias e de imaginação. Story é a morada da criatividade. Assim como o fogo da fogueira, ninguém pode manipular, já que sequer consegue tocar.

Já o termo Telling se refere ao ato de narrar e, mais especificamente, às narrativas. A diferença é que essa é a parte tangível do conteúdo. São os livros, as películas, os DVDs, os cartuchos... Telling é a morada da expressão. Assim como a madeira da fogueira, a função da narrativa é permitir que o fogo apareça.

Assim temos que a definição de storytelling é, literalmente, narrar histórias.

"Na prática, storytelling é a forma mais primitiva e, ainda hoje, a mais sofisticada de transmitir uma mensagem."

Castores sabem represar um rio e transformar o ambiente a seu favor. Alguns macacos sabem fazer ferramentas de pesca. Os humanos são a única espécie que conta histórias. Storytelling é o que nos diferencia dos outros animais.

Começamos a contar histórias nas cavernas, ao redor de fogueiras, e foi justamente por isso que chegamos até onde estamos hoje: no topo da cadeia alimentar.



Por que Storytelling é um conceito novo?

Ora, porque apesar de nós, seres-humanos, contarmos histórias há milhares de anos, nossas empresas estão aprendendo essa arte há pouco tempo. O Google Trends não me deixa mentir:



No Brasil, o interesse tem sido crescente. De novo o Google Trends:



Apesar do tema ser recente dentro das grandes corporações, entre as 3 grandes tendências de marketing para 2013, adivinha quem aparece? Pois é, a nossa amiga Narração de Histórias.



Quando esse tipo de coisa acontece, aparece um monte de gente para falar do assunto. E aí vão dizer que storytelling é uma técnica de comunicação ou, pior, uma ferramenta de marketing. Só digo uma coisa:



"Usar Storytelling como ferramenta, é igual a
usar uma Ferrari para transportar tijolos." 



O pensamento do Storytelling vai muito além de uma simples aplicação pontual. Claro que você pode contar uma anedota para abrir uma apresentação, OK, mas convenhamos que isso não seria o suficiente para fazer do Storytelling a grande tendência do momento, não é mesmo?


Por que o mundo corporativo está tão interessado em Storytelling?

A primeira coisa é que uma história boa e bem contada nos faz descruzar os braços, sentar na ponta da poltrona e impedir que os olhos pisquem. A gente quer absorver cada detalhe da narrativa. No mundo corporativo, isso é chamado de:

"Otimização do share de olhos e ouvidos"

Isso significa que quando a gente mergulha numa história, a gente mergulha de cabeça. A gente larga tudo e segura o livro com as duas mãos e até desliga o celular no cinema. Quem mais tem esse poder de cativar nossa atenção? 

Mais do que uma audiência de leitores, ouvintes ou gamers, quando nos conectamos a uma história, estamos atentos. 

Estar atento se traduz em motivação. Ter atentos garante engajamento. Trocando em miúdos, contar histórias serve tanto para o público interno, como externo.

No ano em que escrevi a primeira monografia brasileira sobre Storytelling, li um artigo da Harvard Business Review que falava que todas as áreas de uma empresa podem se beneficiar com Storytelling: um vendedor pode contar uma história em que o produto é o herói, um gerente de produtos pode incentivar a equipe com uma história que mostre que sacrifícios pontuais geram o sucesso no longo termo, um CEO pode usar uma história emotiva sobre a missão da empresa para atrair investidores e parceiros e inspirar os colaboradores.

Mas e do lado de fora das corporações? Por exemplo, como que uma agência de publicidade pode se beneficiar com Storytelling?

Se Storytelling fosse estudado no campo das ciências exatas, seria representado assim: S > T. A história é sempre maior do que a narrativa. Nesse índice, quanto maior for o S em proporção ao T, melhor será o T. Mas como não é estudado em exatas, vou explicar assim:

"O segredo está nos detalhes, meu caro Watson"

Antes de perguntar se anúncio X é Storytelling, procure ver se existe uma história maior por trás. Qualquer filme você vai conhecer tudo sobre o protagonista: onde ele mora, o que ele quer da vida, de quem ele gosta, quem não gosta dele... Agora tente achar um anúncio sequer em que o protagonista tenha nome. Pois é.

Antes que alguém diga que anúncios são curtos e que por isso são rasos, esse é só mais um argumento a favor do Storytelling: a história pode começar no anúncio e continuar em outras plataformas. É como se o anúncio fosse o trailer para um filme bacana na internet, e o filme bacana na internet vendesse o a marca de uma forma mais bacana ainda. Mas isso é só um exemplo, tem várias formas de valorizar a propaganda e outras formas de comunicação através de Storytelling.

Falando nisso, o que o jornalismo pode aprender com Storytelling?

Na verdade, o jornalismo pode "reaprender" com o Storytelling. Afinal, as equipes dos primeiros jornais eram compostos por equipes de escritores e poetas. Na década de 60 nos Estados Unidos, o jornalismo se confundiu com a literatura no estilo chamado de New Journalism. Era uma luta contra o objetivismo das reportagens diretas e ditas "imparciais".

Se na era do jornalismo impresso a reportagem objetiva levou vantagem pela economia de espaço na página, na era da internet ele perde espaço para outras linguagens mais interessantes. Assim que nos dias de hoje:
"Enquanto você tiver atenção do seu leitor, 
você tem todo o tempo do Mundo."

O jornalista aprende a começar uma matéria com o lead que responda as perguntas "o quê?", "quem?", "quando?", "onde?" e "por quê?". Já o Storytelling ensina que é mais interessante segurar as respostas. Tudo tem a hora certa na arte da narrativa. Pressa é uma palavra que não existe no vocabulário do Storyteller.


Como será o Storytelling no futuro?

Todas atividades humanas serão revestidas por Storytelling. Desde os projetos corporativos, até as escolas, tudo deve se tornar plataforma para narrativa. Não vai ter sequer um powerpoint que não conte uma história.

Se realmente vai ser assim, eu não posso afirmar. Diferente de muitos personagens de histórias clássicas, eu não tenho uma bola de cristal. Mas não seria interessante?

10 anos depois (spoiler: eu estava errado sobre quase tudo)

"Todas atividades humanas serão revestidas por storytelling."

Escrevi isso em 2013. Achei que estava sendo visionário.

Estava sendo conservador.

Não só todas as atividades foram revestidas por storytelling. Elas foram transformadas, hackeadas e reimaginadas por narrativas.

E o mais surpreendente?

Nem sempre para melhor.


A profecia que se cumpriu (com plot twist)

O que eu acertei:

"Não vai ter sequer um PowerPoint que não conte uma história"

Verdade. Hoje é impossível apresentar 10 slides sem uma narrativa.

Mas aqui está o plot twist:

PowerPoint virou o vilão da história.

Canva, Pitch, Notion... a nova geração não quer slides. Quer experiências narrativas.

Vi CEOs apresentando estratégias em Minecraft.
Startups fazendo pitch através de podcasts.
Relatórios trimestrais virando mini-documentários.

A narrativa não revestiu as apresentações. Ela as explodiu e reconstruiu.


O que eu errei (feio):

Achei que storytelling continuaria sendo "a forma mais sofisticada de transmitir mensagem".

Errado.

Storytelling virou a única forma aceita de transmitir mensagem.

E isso criou um problema que ninguém previu:


O paradoxo da saturação narrativa

2013: "Precisamos de mais histórias!"

2024: "Chega de historinhas, me dê os dados!"

Vivemos a fadiga do storytelling. Desse aí, com s minísculo. Cansamos do “storytellinho”.

Quando tudo é historinha, mas nada é enredo de verdade.

Exemplos do colapso:

  • LinkedIn: Cada post começa com "Deixa eu contar uma história..."

  • Reuniões: 15 minutos de metáfora para 2 minutos de conteúdo

  • E-mails: "Era uma vez um KPI que..."

O resultado?

Executivos implorando por bulletpoints.
Investidores pedindo "pule para os números".
Audiências desenvolvendo anticorpos contra narrativas forçadas.

Transformaram Storytelling em storytellinho. Até eu peguei bode.


O que realmente mudou em 10 anos

1. Story vs. Telling: a inversão fatal

Em 2013, expliquei que Story (história) e Telling (narrativa) eram diferentes.

Story = fogo intangível
Telling = madeira que permite o fogo

Hoje?

As empresas dominaram o Telling.
Mas perderam o Story.

Temos madeira perfeita, técnicas impecáveis, consultores especializados...

Mas cadê o fogo?


2. IA: o elefante na sala que ninguém previu

ChatGPT escreve histórias em segundos.
MidJourney cria narrativas visuais instantâneas.
Synthesia gera vídeos com storytelling automatizado.

A pergunta de 1 trilhão de dólares:

Se IA pode contar histórias, o que resta para nós?

A resposta de 10 trilhões:

Viver histórias que valem a pena ser contadas.


As mutações do storytelling corporativo

Micro-storytelling

A atenção média caiu de 12 para a necessidade de ser caputrada em 0,3 segundo.

Nova realidade:

  • Stories de 15 segundos > Apresentações de 15 minutos

  • Um tweet bem contado > White paper de 30 páginas

  • Meme certeiro > Campanha milionária

No entanto, se essa narrativa estiver solta e não fizer parte de um enredo maior, é como uma ponte que leva nada a lugar nenhum. Por trás de cada micro-storytelling deve haver um enredo tão épico quanto estratégico.

Data storytelling

O pêndulo balançou.

2013: "Números são chatos, conte histórias!"
2024: "Histórias são vazias, mostre os dados!"

A síntese:

Narrativas baseadas em evidências.
Dashboards que contam jornadas.
KPIs com arco dramático.

Só que é o seguinte: não adianta achar que colar a planilha no slide vai resolver. Pelo contrário.

O segredo aqui é saber selecionar os números como quem faz um casting de elenco… até porque o lance é fazer com que os números contem histórias.

Exemplo real: Spotify Wrapped. Seus dados viram sua história musical anual.


O lado sombrio que ninguém fala

Storytelling weaponizado

Fake news são histórias bem contadas.
Golpes financeiros têm narrativas impecáveis.
Ditaduras modernas dominam o storytelling.

A lição dolorosa:

A mesma técnica que inspira pode manipular.

A comoditização da autenticidade

"Seja autêntico" virou fórmula.
"Mostre vulnerabilidade" virou tática.
"Conte sua verdade" virou produto.

Quando autenticidade vira estratégia, deixa de ser autêntica.

Ainda assim, autenticidade de verdade e vulnerabilidade genuína continuam sendo raridade. 


O que aprendi sendo pioneiro por 19 anos

Timing é tudo (e eu errei o meu)

Lancei o primeiro estudo em 2007.
Mercado brasileiro: "Story o quê?"

Insisti por 6 anos até estourar.

Lição: Estar certo cedo demais é quase igual estar errado.

O paradoxo do especialista

Quanto mais expert em storytelling você se torna...
Menos suas próprias histórias conectam.

Você sabe demais.
Pensa demais.
Analisa demais.

Às vezes, ignorância é criatividade.

Ainda assim, é possível resgatar o poder das histórias. Só é mais difícil.


As previsões que faço para 2034 (que vou errar de novo)

1. Storytelling quântico

Histórias que mudam baseadas em quem está ouvindo.
IA analisando microexpressões e adaptando narrativa em tempo real.
Cada pessoa recebendo versão única da mesma história.

2. Blockchain narrativo

Histórias corporativas verificáveis.
"Proof of Story" substituindo "proof of work".
Transparência radical através de narrativas imutáveis.

3. Neuro-storytelling

Interfaces cérebro-computador permitindo "download" de histórias.
Experiências narrativas direto no córtex.
Matrix, mas para branded content.

Prevejo que vou errar 75% disso. E tudo bem.


A única verdade imutável sobre storytelling

Dez anos atrás, escrevi:

"Storytelling é o que nos diferencia dos outros animais"

Isso continua verdade.

Mas descobri algo mais profundo:

Não é que contamos histórias porque somos humanos.
Somos humanos porque contamos histórias.

E enquanto formos humanos – com IA, sem IA, no metaverso ou em Marte – continuaremos precisando de histórias.

Não como ferramenta.
Não como estratégia.
Mas como essência.


Um pedido pessoal para os próximos 10 anos

Para você que está lendo:

Pare de tentar "fazer storytelling".

Comece a viver histórias que merecem ser contadas.

Pare de perguntar "como conto melhor?"
Pergunte "o que vale a pena contar?"

Pare de buscar a técnica perfeita.
Busque a verdade imperfeita.

Porque daqui a 10 anos, quando eu escrever outro update, quero estar errado sobre coisas mais interessantes.


O futuro do Storytelling começa com sua próxima história

E qual vai ser?

Compartilhe sua previsão para 2034 →

Vamos errar juntos. Mas pelo menos errar tentando algo novo.

Afinal, as melhores histórias sempre foram sobre isso.


Fernando Palacios continua não tendo bola de cristal, mas agora tem 15 anos de erros documentados para aprender. Este artigo celebra uma década do post original "Fundamentos do Storytelling" e prova que prever o futuro é menos importante que moldá-lo.

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