Ninguém presta atenção em suas histórias de viagens? Tente o Storytelling



Se você gosta de viajar, muito provavelmente passou por isso. Você volta de uma viagem marcante por algum motivo e, na hora de contar para os outros sobre sua experiência, percebe que ninguém realmente compreendeu o que aquela experiência significou.

Você conheceu lugares únicos, encantou-se com pessoas maravilhosas, viveu aventuras que jamais, nunca imaginou, talvez até conheceu o amor da sua vida, mas, bem, a verdade é que seus amigos e parentes escutam suas histórias e claramente não se empolgam muito.

Eu, que felizmente tive a oportunidade de viajar muito, até inventei uma expressão para esse sentimento. É a “depressão pós-viagem”, que acomete principalmente aqueles que passam um tempo longo em outro país. Quem já morou fora sabe que absolutamente tudo na sua rotina ganha outra perspectiva: uma reles ida à farmácia em um lugar muito diferente do seu “habitat natural” torna-se mais interessante. O que dizer, então, de quando vivenciamos experiências realmente expressivas, que moldam uma parte da nossa existência para sempre?

É claro que há outros fatores envolvidos nessa sensação de deslocamento. Voltar à rotina normal após um período excitante cobra seu preço. Mas acredito que o sentimento piora quando tentamos compartilhar com os outros sentimentos profundos sobre nossa experiência e notamos que não estamos conseguindo fazê-lo.

Foi meu caso em 2007, quando retornei de uma viagem à Israel e à Europa. Em Israel, passei quase quatro meses trabalhando como voluntário em um kibbutz (espécie de comunidade autossuficiente tipicamente israelense). Queria experimentar algo diferente do que a maioria dos brasileiros faz no exterior, e consegui: de jovem de classe média e apartamento em São Paulo, lá estava eu no meio do deserto do Neguev vacinando galinhas, limpando a louça de 300 pessoas e trabalhando numa fábrica de adesivos, entre outras funções peculiares as quais me submeti (por vontade própria, que fique bem claro).

Apesar da importância dessa experiência para a minha vida, sempre tive dúvidas se fui hábil suficiente para narrá-la. E, agora que ela completou dez anos, me peguei com a seguinte questão: será que o Storytelling não se aplica até para deixar um relato de viagem mais interessante?

A resposta é sim. Não estou sugerindo avaliarmos metodicamente nossas experiências ao voltarmos de uma grande viagem, colocando-as no papel como se fôssemos criar uma campanha publicitária ou uma obra de ficção. Mas acho que ao menos refletir sobre alguns dos fundamentos do Storytelling, contrapondo-os ao modo como você conta sobre sua viagem aos outros, é no mínimo um exercício interessante, que pode ajudar a dar ao seu relato a grandeza que você sente que ele merece ter.

Vou usar minha estada no kibbutz como exemplo. Uma das coisas que aprendemos em Storytelling é a “colmeia narrativa” de uma história. É nela que estão definidas as funções narrativas de cada personagem. E, acredite, ela se aplica a toda as histórias: seja em “Nemo”, seja naquele filme ou livro mais hermético, é possível identificar a colmeia. Claro que, dependendo da complexidade da história narrada, as funções às vezes são menos claras e se confundem. Mas a estrutura está lá.

Como seria, então, a “colmeia narrativa” da minha viagem à Israel? Curiosamente, quando parei e pensei em todas as pessoas com quem me relacionei no kibbutz, elas se encaixavam incrivelmente bem em certas funções narrativas.

Claro que o conceito da colmeia é só um dos muitos do Storytelling, mas desenhá-la pode ser um bom começo para que os outros - no caso, sua audiência - também achem seu relato interessante. Por questões de privacidade, não vou mencionar os nomes dos personagens da minha "jornada" pessoal. Mas veja como ficou, e escolha uma de suas viagens para fazer um exercício semelhante.

Protagonista: eu, claro. Afinal, é a minha história, e tudo o que eu contar vai se relacionar, de um modo ou de outro, à minha vida lá.

Coadjuvante: a voluntária americana. Foi minha namorada (ou “caso”, ou “affair”) durante boa parte do meu tempo no kibbutz e “personagem” central em vários dos meus momentos mais importantes e, digamos, “reviravoltas” na “trama”. Não tem como contar minha história sem falar dela.

Aliado do protagonista: meu “roommate” sul-coreano. Com seu jeito tranquilo e reservado, esteve ao meu lado nas horas mais difíceis, mesmo se apenas com pequenos gestos ou conselhos.

Mentor: o voluntário irlandês. O mais velho dos voluntários, tinha sempre frases profundas e opiniões contundentes. Podia ser duro às vezes, mas foi muito importante no meu momento mais complicado. Nunca esquecerei sua frase na noite em que algo muito ruim aconteceu: “Daniel, a vida está te dando uma grande lição hoje”.

Contagonista: o voluntário equatoriano. O contagonista é aquele que busca os mesmos objetivos do protagonista, mas por caminhos diferentes. No caso dele, também chegou ao kibbutz achando que a rotina seria de festas malucas e diversão todos os dias. A realidade, porém, não era exatamente essa. Mas, enquanto eu usei os poucos anos a mais de experiência para me adaptar, ele demorou um pouco mais para entender que não estava em uma balada.

Portal de mundos: como o próprio nome sugere, é através dele que personagens passam de uma realidade à outra dentro de uma narrativa. No caso da minha história, era um portão esburacado nos fundos do kibbutz. Era por ele que voluntários como eu, quando cheios da comida do kibbutz, saímos para caminhar até um posto de gasolina na beira da estrada e comer algo diferente, nem que fosse um sanduíche. Como muita gente fazia isso, inclusive depois que fechavam o portão, trataram de abrir um buraco do tamanho de uma pessoa na cerca. Por alguma estranha razão, porém, um voluntário da Venezuela entrou em pânico ao não conseguir achá-lo uma noite e, apesar de estar a alguns passos do kibbutz, pegou um ônibus na estrada para voltar. O portal de mundos também tem isso: nem todos os personagens conseguem vê-lo ou acessá-lo.

Expressão do mal: o cara da fábrica de adesivos. Desnecessário dizer que eu nunca tinha trabalhado numa fábrica antes e que, apesar do meu trabalho consistir em algo tão simples e repetitivo quanto colocar rolos de adesivos numa caixa, eu não cumpri direito com minha função. Engana-se, porém, quem acha que meu chefe na fábrica levou minha falta de experiência, e o fato de eu ser um voluntário, em consideração. Escutei dele: “gente como você, é melhor ficar no quarto”. Tudo bem, ele já estava bravo pelo meu pequeno atraso aquela manhã, mas convenhamos: isso não é jeito de tratar quem atravessa o mundo para trabalhar para a sua comunidade.




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