Para desbloquear sua escrita


Isso já tem se tornado um certo padrão. Muitas pessoas me procuram dizendo que estão com um problema danado na hora começar a escrever um texto: elas simplesmente não conseguem começar. É uma síndrome que parece afetar cada vez mais pessoas. Ou vai ver que sempre afetou todo o mundo e eu, como cada vez sou mais visto como escritor, estou sendo mais assediado pela questão. Seja como for, a resposta fácil seria: 'não pense nisso, busque inspiração, vá dar uma volta pelo parque, leia um livro e lave a louça.' Às vezes isso até resolve. Às vezes.

A coisa mais importante para vencer esse momento é imaginar que você está numa praia prestes a embarcar num bote e sair navegando por mares até então somente sonhados. Você está no momento de passar a rebentação, de vencer resistências naturais e inevitáveis do início do percurso.

Eu só conheço um jeito de transpor as ondas da resistência, e é justamente escrevendo. Escrevendo apesar de tudo.

Fazer outra coisa só vai te distanciar aquilo que você deveria estar fazendo, escrevendo. Escrevendo já sabendo que todas aquelas palavras que estão sendo digitadas em breve serão deletadas. Escrevendo mesmo achando que a sua história não valha nada. Escrevendo até mesmo seus pensamentos negativos sobre a sua escrita. Escrevendo até que do meio de tudo aquilo que você considera esterco vire adubo. Uma hora algo floresce.

A verdade é que quase todas as palavras escritas ficarão no escuro da lixeira, sem jamais ver a luz do dia. Mesmo os romancistas mais consagrados, com 30 anos de profissão e prêmios mundiais de literatura, trabalham em média dez horas para produzir uma página publicável. E é óbvio que eles não escrevem devagar. O ponto é que de tudo o que escrevem apenas uma página se salva. É um ofício de garimpo, esse do autor. O autor passa as horas minerando a própria mente até que encontre uma frase ou ideia preciosa.

Existe um conto do Richard MacKenna em que ele diz que precisou escrever 100 páginas de texto para só então começar a escrever a primeira página do seu primeiro livro. Escrever é isso mesmo. É explorar seu mundo imaginário com palavras. É uma expedição sem a menor garantia de sucesso. Até por isso o grande talento de um autor não é a habilidade de criar ou de contar uma boa história, mas essa espécie de perseverança inexplicável.
A disposição para acordar todos os dias pronto para travar mais um duelo contra a página em branco. Talvez por isso Gertrude Stein tenha escrito 'to write is to write is to write is to write.'

Então faça como ela e escreva. Escreva tendo em mente os escritores que datilografavam suas histórias em máquinas Olivetti e que enchiam os cestos de lixo com bolas de papel. Escreva pensando que você ainda não deve pensar na qualidade. Escreva sabendo que uma hora você vai ter que voltar, reler e editar tudo. Escreva, mas escreva sem o editor do seu lado. Dê férias para ele, ou ele te trava. Escreva com a criatividade infantil e descompromissada. Agora é hora de brincar com a criança interior e deixar para mais tarde o editor. Escreva como Hemingway 'write drunk, edit sober.'

Lembre-se: toda vez que você se deparar com um bloqueio criativo, eis mais um motivo para você encarar o papel ou o computador e escrever. Escrever nem que seja por escrever. Escrever até cansar de se irritar por estar escrevendo tanta bobagem. Escrever até a câimbra afligir os dedos e chamar isso de aquecimento. Escrever até o editor em você concluir que a única explicação para você ignorar seus berros seja que seus ouvidos já não funcionam. Escrever sabendo que sua única arma é escrever.

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