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E SE A SUA EMPRESA USASSE STORYTELLING?



Enquanto abria o velho portão de entrada a moça se lembrou de tudo de um vez só. Lembrou de quando voltava da escola e corria para a cozinha sentindo o cheiro do almoço escapar pela janela. Pensou em todas as dificuldades que passou, e ainda passa, quando decidiu mudar para a cidade grande. Imaginou como seria a vida, hoje, se ela ainda morasse com os pais. 

- Filha! Ah! Que saudades meu amor! Vem, entra que o almoço já está quase pronto! 

- Oi, mãe? Tudo bem? - disse a moça com um sorriso no rosto enquanto corria para abraçar a senhora que a recebia de braços verdadeiramente abertos na porta da sala. 

- Tudo bem... e com você filha? Nossa! Como você tá magrinha, minha flor? Não tem comida naquela sua casa não? 

- Tem sim mãe, não estou tão magra assim, vai... cadê o pai mãe? 

- O pai tá lá dentro, cuidando do almoço... esse homem não me deixa mais cozinhar, sabia? 

- Calma mãe, ele só quer que você descanse... afinal você cozinhou pra gente a vida toda. Deixa ele fazer alguma coisa pra você de vez em quando vai.

- Oi filha! Vem cá, vem, prova esse molho, me diz se tá bom de sal. 

- Oi, pai! Tudo bem? - disse moça enquanto experimentava o molho direto da colher de pau que seu pai segurava na direção de sua boca. 

Aquele molho de tomate a fez lembrar um pouco mais da sua infância. Dos domingos de sol em que toda a família se reunia para preparar o almoço. Lembrou de Lucas. 

- Mãe, o Lucas vem hoje? 

- Não filha, ele está viajando de novo. Ele veio mês passado... - a mãe de Monica sempre justificou a falta do filho usando suas viagens de trabalho, mas a menina nunca acreditou. 

- Sei, sei. Mãe, eu queria ver umas fotos antigas, preciso de fotos minhas pequena para o meu próximo livro, você ainda tem aqueles álbuns de quando eu era pequena. 

Nunca ouvi falar de uma mãe que perdeu os álbuns de foto dos filhos. Logo chegaram álbuns e mais álbuns nas mãos de Mônica que olhava para as fotos e era atacada por um série de perguntas sobre o passado e o futuro. Em uma das fotos Monica estava ao lado de Bruno, um namoradinho da adolescência, e pensou - "e se eu tivesse aceitado o pedido de casamento dele? Onde será que estaríamos?" - tremeu de calafrios só de imaginar uma vida como a de sua mãe, para sempre na mesma casa, com a mesma rotina. 

- Venham, a comida está pronta! - anunciou o pai de Monica com orgulho do seu próprio trabalho. 

Seu Pedro, pai de Monica e Lucas, sempre disse que se pudesse teria se tornado chefe de cozinha. Aos fins de semana adorava cozinhar para os filhos, mas só sabia fazer uma receita de macarrão e alguns lanches. Hoje a mesa estava diferente, a panela deixava escapar um cheiro forte de camarão e as torradas com alho estavam excelentes. A aposentadoria tinha mesmo feito a diferença na vida culinária de Seu Pedro. A menina comia e pensava - "E se meu pai fosse mesmo chefe de cozinha?". Sonhou com uma infância diferente, como a filha de um chefe famoso, dono de um lindo restaurante na área nobre de São Paulo. - "Alex Atala que nada, o nome do momento ia ser Pedro Karr" - comentou a menina como se todos pudessem ouvir seus pensamentos. Mais e mais perguntas vinham a sua mente enquanto a menina revisitava o seu passado. 

E se o Lucas estivesse aqui ainda? E a se meu livro não ficar bom? E se descobrirem que o último livro é horrível? E se eu não conseguir terminar essa nova história? E se a minha vida mudasse por completo? E se...? 

No meio do último pedaço de torrada, Monica percebeu, que não conseguia mais não pensar nas possibilidades. Um hábito que adquirimos quando escrevemos muito. O "e se" é um bom jeito de criarmos novas situações e histórias para nossos personagens. 

E se a sua empresa usasse storytelling? Quem sabe não aumentavam as vendas, o engajamento? Quem sabe tem alguém no mundo que precisava ouvir a sua história para mudar de vida? 

A ESTRANHA PARTE DE VOCÊ



Monica Karr nasceu de parto normal e na escola nunca foi 0 nem dez, levou tudo na base do 7,0. Faculdade, bem no meio da lista, nem em baixo nem no topo. Não era o tipo de parar o trânsito, mas nunca passou despercebida. Nada extravagante acontecia na vida da jovem, nada fora do comum, e ela gostava assim. Virou escritora meio que sem querer, na verdade ela queria mudar tudo aquilo, palavra após palavra procurando por um grande acontecimento que mudasse aquele café com leite, nem claro nem escuro, com cara de boteco sem gosto nenhum, que ela chamava de vida.

Madrugada de sábado pra domingo e única luz ligada vinha do computador, o café, servido em copo da starbucks mas feito em casa, forte e morno, a janela aberta pra enganar a claustrofobia e quem sabe aumentar um pouco a sensação de espaço do seu apartamento. Mão no rosto, olhando pro computador e pensando que suas palavras eram tão sem graça quanto um pão frio com manteiga de pouca qualidade.

- Para de reclamar... e pensa menos, ninguém quer saber do teu colegial, era melhor ter tirado zero naquela prova de matemática, a história seria mais interessante.

Karr ouviu as palavras mas se recusou a acreditar, não ouvia a voz de Joana desde os quinze anos, quando as duas brigaram por causa de uma prova de matemática. Passou a mão no rosto de novo, tomou um gole do café e tentou voltar a escrever.

- Sério, nem teu personagem consegue tirar uma nota maior que 7,0? Ninguém quer saber sobre um nerd nota 7.0.

Monica, lembrou dos remédios, escondidos atrás dos produtos de higiene no armário do banheiro, pensou nas datas de válidade que já deviam ter se expirado desde a casa de seus pais.

Vodka! Sim, a vodka não estava vencida. Rodou a cadeira de escritório com um leve impulso com as duas mãos apoiadas na mesa, como sempre fez desde que brincava no escritório do pai. Levantou, andou apenas alguns passos ao redor da cama para alcançar a geladeira, pegou a garrafa de vodka no congelador e tomou o caminho do volta, mas parou antes do primeiro passo, olhando para cama como quem vê um fantasma. Joana sentava na cama, de saia e com um travesseiro no colo. O tempo não a afetou, ainda tinha os mesmos 12 anos de idade que sempre teve.

- Oi!

- Oi? Como assim oi? O que você está fazendo aqui? Me livrei de você faz dez anos. Volte pro lugar de onde veio. - respondeu Monica enquanto pegava o copo do café e servia uma dose generosa.

- Pois é! Você se livrou mesmo de mim, não foi? Mas eu te perdoo...

- me perdoa? Como assim? ... quer saber, você não existe, é só a minha cabeça... de novo...

- me diz uma coisa, só me responde uma pergunta e eu vou embora.

- tá...

- como está a sua vida depois que você "se livrou de mim"?

- Como assim? Está ótima! Eu durmo a noite, nunca mais tive problemas na escola, as pessoas não dizem mais que eu sou louca. Minha vida é ótima sem você! Pronto, respondi, agora vai embora...

- Tá bom, eu vou, mas antes me diz outra coisa... como é que estão os seus textos depois que eu fui embora?

- meus textos? Você não tem nada com meus textos... some daqui! AGORA!

- Fica calma, assim, gritando sozinha nesse apartamento deprê, todo mundo vai achar que você é louca, sabia?

- Culpa sua! De novo, a culpa é sua, amanhã não vou poder nem olhar na cara dos meus vizinhos...

- Moni, presta atenção, olha pra esse cara, esse tal de João... que história mais sem graça, um taxista que não dirige nem bem, nem mal, que fica o dia todo contando as fofocas que escuta que no táxi, não tem nenhuma paixão, nenhum grande sonho, até o carro do cara é um qualquer... Ninguém quer saber de uma história dessas... e vamos combinar que depois de mim a sua história foi bem assim... nota 7... nem zero, nem 10, nem nada, tudo com você é morno, até o seu café... mas fui eu aparecer que você pegou a vodka, mudou o a rotina e a sua história ficou boa...

- Agora você é escritora? Só faltava essa...

- Ou você aprende que a historia só fica legal quando o cara não consegue entrar pela porta da frente e tem que pular a janela ou não vai mais sair do caixa da livraria para as estantes...

- Do que você está falando?

- Olha aqui, você sempre quis escrever... e até agora o mais perto disso que chegou foi gerente de livraria... suas histórias são chatas porque você tem medo de falar das coisas estranhas, daquelas que acha que ninguém vai gostar, das tuas manias...

- Semana passada eu postei no blog sobre comer leite condensado direto da latinha... viu como você tá errada?

- E esse leite condensado, ele te fez esquecer um coração partido?

- Não...

- Ele te fez lembrar da sua mãe morta ou do seu pai violento?

- credo! Não... minha mãe está viva e meu pai é um anjo...

- Ninguém é santo... o leite condensado salvou a vida de alguém ou te deixou doente no hospital?

- Não!

- Então foi chato... todo mundo come leite condensado o tempo todo, se o seu leite condensado não é diferente, é chato... você já escreveu sobre a gente? Ou publicou alguma coisa do nosso diário?

- Não, nem vou! Você é louca e eu quero que você vá embora...

- Ok, se você não quer ajuda, eu vou...
Monica sentou na frente do computador enrijecida por uma mistura saudosa e angustiante de raiva, medo e inspiração, serviu mais uma dose de vodka e começou a escrever sem nem mesmo ler as próprias palavras...

Um ano depois, Monica Karr estava trabalhando em uma livraria, sentada na cadeira olhando ao redor e assinando livros, sempre com a frase "a vida não é uma prova, às vezes tirar 0 dá uma história mais interessante do que tirar 10"

A história de Joana, a amiga imaginária de 12 anos que nunca envelheceu, de uma escritora sem talentos, virou um bestseller traduzido em 4 idiomas e Monica, finalmente descobriu que para contar uma boa história era preciso ter coragem de expor o que mais te incomoda.