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PERSONAGEM COM DEFEITO


Imagine um brainstorm entre cliente e criativos acontecendo na sala de uma agência. Para começar, o cliente apresenta o pedido:

- Nossa marca precisa de um personagem.

- Um garoto-propaganda, talvez? O planejamento fez uma pesquisa e o Luciano Huck se encaixaria muito bem no perfil da marca.

- Não, o Huck já está na campanha de três concorrentes. Precisamos do personagem da marca mesmo.

- Como um Dollynho para a Dolly? Ou com uma pegada mais garoto da Bombril?

- Um pouco mais que isso, sabe? Nada contra o Carlos Moreno, ele é uma figura. Mas é algo mais profundo. Um personagem com aspirações, desejos, qualidades…

- E defeitos?

Uma das partes mais ricas do storytelling é a construção de personagens. É como brincar de criador. Pegar uma marca, sem vida, e transformá-la em um personagem “à sua imagem e semelhança”.
Tudo começa com as referências de outros personagens. “É a mistura entre Peter Parker e Yuri Gagarin”, ou então “é uma doméstica com a persistência de um Rocky Balboa”. A partir daí vão nascendo as características, os objetivos de vida, nome, sobrenome, idade, e também seu grande defeito.

- Mas a minha marca tem defeitos?

Um personagem sem falhas e conflitos é como assistir só aos 10 minutos finais de um filme. Se até os super personagens tem suas criptonitas, ou os deuses gregos tem suas iras, que dirá os reles personagens mortais. O grande defeito, a falha de caráter do personagem é uma das coisas mais importantes na sua humanização. Se nós rimos na comédia ou choramos no drama é porque nos identificamos com alguma característica e, muito provavelmente, essa característica tem a ver com o defeito do personagem.

- Já sei qual é o defeito do personagem da minha marca! Ela é muito perfeccionista.

E não adianta roubar no jogo. Se o defeito do personagem é uma virtude, a jornada desse personagem já está completa, enquanto a jornada da história da marca só está começando. Um personagem que não tem nada pra dizer ao seu analista é desinteressante. Será que a sua marca é interessante para o seu consumidor?

HERÓI: FIO CONDUTOR DA NARRATIVA




Na última terça-feira, Ariano Suassuna falou a uma plateia lotada sobre tradição oral. Ele e Guimarães Rosa foram nomeados expoentes da reinvenção da oralidade na literatura brasileira pela Mostra Sesc de Artes. Em sua fala, ele deixou bem claro a importância do personagem. A consistência em sua construção é fundamental para a história. O herói ali descrito foi Riobaldo, o narrador de Grande Sertão: Veredas, obra de Guimarães Rosa. 

Riobaldo foi estudado e reestudado pelos mais diversos críticos literários, escritores, professores de literatura. Eu, que não me enquadro em nenhuma dessas categorias, tomo a liberdade de fazer minha própria análise. Para mim ele é um ótimo personagem porque é capaz de conduzir pela história. Ele levou – e leva – diversos leitores com ele pelas paisagens, pelos conflitos, pelas tristezas do sertão com um jeito e falas característicos que o revelam por inteiro. A sua simplicidade faz quem acompanha a narrativa se compadecer da sua causa, faz torcer para que ele descubra o que o atormenta na amizade com Diadorim, com aqueles olhos de onda do mar, como ele dizia. O que ele tem é verdade humana. Simples assim.  

Um personagem como esse pode custar a “nascer”. É um exercício, um desafio para o autor. Mas quando bem pensado, bem desenhado, bem construído, ele vem e mostra a que veio. No mundo das histórias, a gente vê todo tipo de personagem, mas sempre tem um que deixa sua lembrança. Para mim, há uma dupla que causa muitas reflexões a cada conto que leio ou ouço: Sherazade e o inflexível Rei Shariar, de As Mil e Uma Noites. Ele era perseguido pelo fantasma de uma traição, enquanto ela estava em busca da redenção. Através das histórias – muitas histórias, há que se ressaltar – ela venceu.  

Essa consistência do personagem, que causa vontade de caminhar com ele, de torcer, de se compadecer da sua causa e até de sentir seu amigo é resultado da construção baseada nos arquétipos, os personagens maiores que a vida. Eles fazem parte do inconsciente coletivo, se repetem nas mais diversas culturas e servem como fonte de inspiração de forma atemporal.  O arquétipo do amante te leva de volta à sua primeira paixão, o do guerreiro te põe frente a frente com teu maior medo e te ajuda a encará-lo. Esses padrões nos ajudam a construir novas histórias e ao beber dessa fonte é que construímos nossa própria história.

Diante de toda tecnologia e conteúdo com que somos soterrados, sobra informação e falta tempo para absorver, digerir, internalizar e até mesmo botar pra fora. É nesse cenário que os arquétipos entram como valioso trunfo para quem quer criar histórias. É a partir desses personagens maiores que a vida que se criam narrativas críveis e recheadas de verdade humana. Eles dão vida às histórias desde os tempos mais remotos, como os heróis da mitologia grega Zeus, Eros, Afrodite...                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     


imagem: http://wallsdl.com/wp-content/uploads/2012/06/Greek-God-Zeus.jpg