O PODER do Storytelling no nosso cérebro


Teve um verão em que me afoguei em um copo d’água. 

Sol a pino e eu caminhava de volta da praia. Acredite ou não, eu havia me esquecido de beber água, no período em que lá estive.

No caminho de casa, sem poder fazer um PIX [pois este ainda não existia] e sem carteira para comprar sequer uma garrafinha de água, segui sentindo os meus miolos fritarem.

Seria uma longa caminhada se não fosse o velho Uno Mille 98 vindo em minha direção, reduzindo a velocidade, até parar junto a mim.

Notei então que parte da minha salvação acabara de chegar. Digo parte, pois, se por um lado, com a carona, não precisaria mais gastar as minhas pernas; por outro, não escaparia do calor escaldante, uma vez que o carro não possuía ar condicionado e eu continuava com aquela mesma sede.

Todavia, como diz o bom e velho ditado: “Alegria de pobre dura...”.

É isso mesmo! Ouvi daqui você completar a frase. Pouco demorou para o carro dar defeito e empacar no meio da estrada.

Lá estava eu caminhando novamente. Minha boca? Seca. Já havia me embriagado com toda a saliva que podia produzir naquele momento.

Próximo de casa, percebi que o asfalto, no horizonte à minha frente, não estava estático, ao contrário, parecia distorcido e mexia-se como que fumaça ao vento.

Bom, quando cheguei, fui direto para a cozinha, peguei um copo de vidro, o maior do armário, e abri a geladeira. Surpresa! Nada de água gelada. Recorri a algumas pedras de gelo no freezer.

Coloquei quatro delas no copo e comecei a enche-lo. Ao passo que o líquido ia se encontrando com a substância sólida, eu  ouvia o tilintar do gelo “com água na boca”, embora ela ainda não estivesse lá. Em seguida, mexi o copo três vezes para o gelo derreter mais rápido.

Na terceira volta, derramei um pouco de água no chão. Porém, não contei conversa, mandei água pra dentro, golei com certa avidez, eu diria.

Segundos depois, quando já estava em um acesso de tosse, percebi que tinha ido com muita sede ao pote [e era bem isso mesmo, o copo de meio litro mais parecia um pote].

Foi aí que me afoguei, afinal, depois de tanta falta d'água era como se estivesse asfixiado, imergido naquele copo.

Tossi até a respiração faltar. Olha, me engasguei de verdade! Como nunca antes. 

Mas fato é que esse não é um relato psicografado e eu não morri, longe disso, matei minha sede e sobrevivi ao afogamento no copo para poder contar essa história para você.

O que vem depois da história

Pois bem, quer saber o que há de tão especial em eu ter te contado essa história com detalhes e elementos tão comuns para nós dois?

Tá certo, vou te contar!

Não é preciso ser um grande estudioso ou cientista para perceber que as histórias possibilitam conectar aquele que conta com aquele que ouve.

Notamos e vivenciamos isso desde a vez em que maratonamos assistindo uma série ou uma saga de filmes até a conversa entre amigos, recheadas de causos, nas confraternizações de final de ano, por exemplo.

No entanto, essa conexão despertou o interesse dos pesquisadores ao redor do mundo, que se propuseram a compreendê-la por diversos ângulos e perspectivas humanas.

Na universidade de Princeton, o professor do departamento de Psicologia e Neurociências, Uri Hasson, liderou uma pesquisa interessantíssima.

Já vou falar dela, mas antes, volte a história do meu afogamento no copo d’água e imagine que eu estou aí, ao seu lado, te contando, ao vivo, essa minha experiência. 

Se eu te dissesse que, ao passo que a contação do causo ia acontecendo, a frequência das ondas cerebrais do seu cérebro seria capaz de se assemelhar a frequência das ondas do meu cérebro, você acreditaria?

Sim, isso é possível e é um fenômeno chamado de Acoplamento Neural.

Foi exatamente o que os pesquisadores de Princeton descobriram. Eles acompanharam a atividade cerebral de diversos voluntários, durante um tempo. Todos possuíam oscilações variadas e distintas.

Depois, ainda com o cérebro sob análise, os participantes passaram a ouvir uma história cotidiana contada pelo famoso storyteller Jim O’Grady. 

Foi então que os pesquisadores viram as atividades cerebrais dos participantes entrando em uma grande sincronia. Enquanto eles ouviam a história, as suas ondas cerebrais iam se tornando semelhantes, como que acopladas umas nas outras.

Na imagem a seguir (retiradas da apresentação do estudo¹, realizada pelo prof. Uri) podemos ver, na esquerda, as ondas cerebrais dos participantes antes da história; na direita, durante a história.

E não foi só isso. A equipe do professor Uri Hasson pôde notar que o cérebro do storyteller apresentou o mesmo padrão de atividade dos seus ouvintes. Deste modo, com o avançar da pesquisa, chegaram à conclusão de que a perspectiva daquele que conta tem a capacidade de moldar o ponto de vista daquele que escuta.  

Contudo, é preciso ressaltar algo essencial. A qualidade do acoplamento está diretamente ligada à capacidade de compreensão do ouvinte. Isto é, quanto maior a compreensão da história, maior a sincronização entre a atividade cerebral do contador e a do ouvinte.

Está aí a necessidade e importância de que o contador adeque a linguagem e insira detalhes na história que facilite a compreensão do seu ouvinte.

Fabuloso, não?!

É como se esse fosse o nosso Wi-Fi. Decerto, a nossa placa mãe interna não dispõe de uma memória ram tão eficiente quanto a de uma máquina. 

Por isso, transferir meramente os dados não é tão poderoso quanto transferir uma história em que os dados estejam inseridos, sobretudo quando for necessário recobrá-los.

Agora imagine que eu quisesse te convencer da importância de beber água. Seria mais impactante eu te dizer que estudos indicam que devemos beber cerca de 2 litros de água por dia ou te contar um episódio em que eu senti na pele o que a falta de água faz no organismo e, no fim, a sensação de alívio ao saciar a sede?

Lembrou da história que te contei no início deste artigo, não foi?!

Pois então, informações colocadas em meras instruções dificilmente irão gerar o poder da sincronização entre as atividades cerebrais e, por conseguinte, não terão a mesma probabilidade de marcar o ouvinte como quando inseridas em uma história.

Portanto, NARRE, em vez de informar!

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